A audiência pública para debater sobre os limites no consumo de dados da internet banda larga fixa, realizada ontem, dia 3 de maio, no Congresso Nacional, durou quase cinco horas, mas encerrou sem que os presentes chegassem a um consenso. Enquanto representantes das operadoras de telecomunicações defenderam ferozmente a adoção de franquias limitadas, alegando que os internautas que "abusam" do serviço são os culpados pela limitação, órgãos de Defesa do Consumidor criticaram a intenção das empresas em mudar o modelo de cobrança do serviço de internet, que deve deixar de ser por velocidade para se tornar por volume de tráfego.


Foto: Agência Senado

A audiência foi realizada em conjunto por três comissões do Senado: Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCT), de Serviços de Infraestrutura (CI) e de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor (CMA). Além da presença dos senadores ligados a estas três comissões, participaram representantes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de entidades de Defesa do Consumidor, como a Proteste e representantes das operadoras de telecomunicações do país.

O lado do consumidor

Pensando pelo viés dos usuários de internet do país contrários a limitação, os institutos de defesa do consumidor e de representação dos usuários alegaram que a limitação da banda larga fixa irá prejudicar grande parte da população brasileira, sendo que o impacto será maior, entre os mais pobres. Conforme o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e representante da rede de ativistas Avaaz, a população de baixa renda será a mais afetada porque são eles que mais utilizam as redes de Wi-Fi em lugares públicos. Logo, se a internet tiver que respeitar uma franquia, os estabelecimentos públicos não irão liberar a conexão de forma gratuita, como é feito atualmente.

Para o pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Zannata, os planos mais econômicos anunciados pelas operadoras Vivo, Net e Oi, apresentam franquias de dados que variam entre 10 e 30 gigabytes por mês, o que é pouco, comparado a outros países.

Já o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, destacou que o corte ao acesso à internet fere o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil. Ele também alertou que a limitação da banda larga fixa pode prejudicar o sistema eletrônico de processos judiciais. "O que acontece com advogado se a internet for cortada enquanto ele peticiona em um processo e perde o prazo? Como fica o direito da parte nesta situação? Lidamos com a honra, a liberdade e o patrimônio da sociedade. Esse sério problema tem que ser enfrentado pelo governo federal", disse.

Lamachia ainda aproveitou para cobrar do Senado providências quanto ao assunto limitação da internet e em relação a postura da Anatel. "Precisamos avaliar o papel que vem sendo desempenhado pela Anatel. Ela deve atuar na defesa do consumidor, não como um sindicato das empresas de telefonia", afirmou.

A coordenadora da Proteste, Maria Inês Dolci, afirmou que o preço da banda larga no país é muito caro. Segundo ela, o principal motivo para isso são os tributos. Por isso, a entidade acredita que a Anatel deveria atacar este problema e não o bolso dos consumidores.

Maria defendeu a proibição do bloqueio da internet fixa e ressaltou que atualmente o acesso à banda larga é tão essencial quanto luz, água e saneamento básico. Conforme ela, pelo código 22 do CDC há obrigação no fornecimento de serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

O lado de quem defende a limitação

Representantes das empresas Oi, Vivo e Net estiveram presentes na audiência, bem como o diretor do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), Carlos Duprat. Defensores do limite no uso de dados, eles disseram que a internet banda larga fixa não é ilimitada ou infinita. Como argumento, explicaram que a rentabilidade do negócio não consegue garantir o investimento necessário para a utilização de dados por meio da banda larga fixa.

"Após esse debate, os modelos limitados e ilimitados deverão coexistir. Não existe país que proíbe a venda por franquia. Outro ponto é que a rede tem capacidade finita, sim. Hoje, em torno de 2% de nossos usuários fazem uso de 22% do tráfego" afirmou o representante da Vivo, Enylson Flávio Camolesi.

Camolesi destacou que quem mais usa a rede não são os usuários domésticos, mas pessoas com vários televisores 4k, que passam várias horas por dia assistindo Netflix. "É um outro perfil. Não podemos confundir o usuário médio com esses 2%. Criar um plano franqueado pode, sim, ser muito bom para aquele que utiliza menos", afirmou.

Duprat ressaltou que o Sinditelebrasil defende a liberdade na oferta de negócios. Ele ainda aponta a necessidade de saber qual é o perfil da internet brasileira, para identificar quem está abusando do uso de dados. O diretor destaca que é considerado abuso de dados quando o internauta consome acima de 250 gigabytes, o que segundo ele, são poucos. "Nós temos aqui um subsídio invertido. É como se a gente estivesse numa churrascaria, todo mundo paga igual, mas um come e outro não come" explicou.

Duprat apresentou um estudo da consultoria Teleco, que diz que 77,8% da população brasileira tem um consumo de até 50 GB por mês e 90% consome até 100 GB. Porém, o monitoramento do uso diário em um computador mostrou, como neste experimento aqui, que não precisa de muito para se chegar ao consumo de quase 80 GB por mês, mesmo usuários considerados de perfil leve, ou seja, que utilizam a rede para redes sociais, e-mails e poucos vídeos streamings.

Duprat também culpou os consumidores que fazem "gatos", pela necessidade de impor franquias limitadas. "Aquele que vende serviços para todos os vizinhos, o gato, é responsável por você estar pagando mais", apontou.

Leia também:

E agora?

Expostos os dois lados em quase 5 horas de debate, ainda não se sabe se as operadoras poderão comercializar planos com franquias limitadas ou não. Contudo, atualmente a medida está proibida por tempo indeterminado, pela Anatel, que está realizando estudos para avaliar melhor a questão.

Durante a audiência, o conselheiro da agência, Rodrigo Zerbone, assinalou que a oferta de diferentes pacotes de banda larga está assegurada na Lei Geral de Telecomunicações, pois é um serviço privado. Desta forma, conforme ele não existe um controle de preços ou de negócios.

Disse ainda que em todos os países há a convivência dos dois modelos de planos, limitados e ilimitados, mas que não conhece nenhum país em que foi adotada uma proibição explícita do governo para qualquer uma destas ofertas.

Zerbone defendeu a Anatel das acusações feitas pelo presidente da OAB, Claudio Lamachia, de que a agência estaria atuando em favor das operadoras, dizendo que, por opção da agência, os preços e tarifas de serviços de telecomunicações são os únicos regulados cujos valores estão abaixo de qualquer indicador inflacionário. Que o Brasil tem o mais extenso programa de controle de qualidade  banda larga feito pelo usuário do mundo e que a Anatel ganhou reconhecimento do TCU e da CGU em termos de transparência das decisões e normas pró-consumidor.

Como a alta carga tributária foi citada durante a audiência como um dos fatores que prejudicam a qualidade do serviço no país, bem como a falta de destinação de fundos, o presidente da CCT, o senador Lasier Martins afirmou que a comissão vai se aprofundar nesta questão dos recursos dos fundos, que foi escolhida como política pública a ser avaliada pela comissão em 2016.