A coisa não tá fácil pra quem mora nos Estados Unidos ou na Coreia do Norte (mentira, só os coreanos que devem estar apavorados) com a iminência de um possível guerra entre os países. De um lado Kim Jong-un se mostra o rei da bravata, dizendo que vai fazer e acontecer, enquanto, do outro lado, Trump diz que ele vai se arrepender caso dê um passo em falso.

Todo mundo sabe que o coreano não pode estar falando sério e que as chances de um míssil saído da Coreia do Norte chegar nos Estados Unidos são pequenas, maaaaaas, você não se torna o país mais poderoso do mundo sem ter cuidado, certo? Por isso que os EUA não só estão preparados para combater a minúscula península como também para interceptar e acabar com seus mísseis bem antes deles chegarem perto do país.

Veja agora como funciona o sistema antimíssil que os americanos têm à disposição para combater toda e qualquer ameaça externa em caso de uma guerra e porque Rex Tillerson, secretário de estado ianque disse que "os americanos devem dormir tranquilos à noite".

Mas será que é assim mesmo? O que afinal garante essa segurança? Vejamos do que se trata esse sistema de defesa de 36 bilhões de dólares.

Primeiramente, o sistema antimíssil americano não é um sistema "americano". pelo menos não no que tange à localização dos equipamentos de monitoração e contra-ataque. O sistema é mais do que local: ele é global e está tanto em terra (diversos países), água (águas internacionais e de países aliados) como no espaço (satélites de monitoramento).

Resumidamente o sistema é composto de ferramentas locais (instaladas nos parceiros Japão, Coreia do Sul e Guam) e em navios de guerra da própria marinha americana na região da península coreana e bases militares no Alasca e na Califórnia. São estes elementos que ficarão atentos durante 24 horas por dia analisando qualquer sinal estranho vindo dos coreanos ou de quem quer que seja. 

O passo a passo da defesa americana

Se a Coreia do Norte resolver disparar um míssil os Estados Unidos irão saber quase que instantaneamente graças ao monitoramento via satélite que está apontado para o país de Kim Jong-un monitorando a atividade por lá através de raios infravermelhos.

Se o lançamento ocorrer, em menos de 1 minuto o satélite já terá disparado um alarme para o grupo de contingência da aeronáutica americana na base aérea Schriever, localizada no estado do Colorado. 

Assim que o centro de comando receber a informação ele direcionará seus radares para a região para que eles acompanhem a trajetória do míssil enquanto ele sobe em direção às camadas mais altas da atmosfera, onde fará o caminho até o alvo (sem atrito do ar e com maior facilidade de locomoção, menor necessidade de combustível, etc.).

Durante 5 ~ 7 minutos os radares do tipo TPY-2 (radar terrestre localizado no Japão e Coreia do Sul) e SPY-1 (radar náutico localizado em vários navios de guerra ameticanos no Pacífico) irão coletar dados como trajetória, velocidade e altitude do míssil coreano.

Instantaneamente esses dados serão enviados para o centro de comando que saberá então com qual tipo de míssil estão lidando e se ele pode, de fato, atingir os Estados Unidos.

 e Spy-1
TPY-2 e Spy-1

Esses minutos iniciais são a melhor hora para destruir o míssil inimigo, porém, o sistema americano não está equipado para esta tarefa, pois, como veremos no decorrer do texto, o interceptador está há milhares de quilômetros.

Voltando ao roteiro de defesa, o próximo passo é os oficiais do centro de comando consultar o Comando do Norte (responsável pelas ações militares do país na América do Norte) que tem um oficial de plantão 24 horas por dia para decisões críticas. Será dele o "sim" ou o "não" para um lançamento de interceptação. Se ele demorar demais para decidir eles então irão notificar o Secretário de Defesa em Washington que tomará a decisão.

Decidido que a interceptação irá ocorrer o centro de comando, então, determinará qual das bases americanas com capacidade de interceptar mísseis de longo alcance será a responsável por disparar o contra-ataque. As opções são Fort Greely (Alasca) ou Vandenberg (Califórnia). No momento do lançamento americano já passaram-se cerca de 8 a 10 minutos que o míssil inimigo foi detectado.

Para que um míssil saia da Coreia do Norte e chegue aos EUA, percorrendo seus mais de 10 mil quilômetros, este míssil tem de ser, invariavelmente, um míssil balístico intercontinental e, neste caso, a única coisa capaz de destruir um MBI são os interceptadores de solo. Tais interceptadores são uma opção recente do arsenal americano (incorporada há menos de 20 anos) e, de tão recentes, menos de 20 testes de interceptação reais foram feitos de 1999 até hoje, sendo somente 1 contra MBI (pelo menos o teste foi um sucesso).

Hoje os EUA possuem 36 desses interceptadores prontos para a ação (até o fim de 2017 espera-se ter 44), sendo 32 no Alasca e 4 na Califórnia. Para aumentar as chances de sucesso em uma missão de defesa real, provavelmente, mais de 1 interceptador seja lançado (com alguns segundos de intervalo) em sequência. Louco de pensar, mas em teoria, se a Coreia do Norte lançar mais de 1 MBI ao mesmo tempo a coisa pode ficar feia para os EUA. O próprio Pentágono disse em junho desse ano que eles podem proteger a nação de um "número pequeno" de mísseis, mas não de uma avalanche.

Pois bem, depois de lançado e de entrar no mesmo nível da atmosfera em que se encontra a arma coreana o interceptador (que até então era somente um veículo lançador) vai se abrir e liberar um EKV (sigla para Exoatmospheric Kill Vehicle), a arma que será usada para destruir os mísseis através da força cinética.

Para garantir a efecicácia da defesa e evitar qualquer contramedida dos coreanos, como um flare, disparado pelo MBI, por exemplo, um radar de banda-X (frequência restrita a uso militar) localizado no Pacífico e os mesmos radares TPY-2 usados antes vão monitorar a trajetória da arma inimiga e ficar de olho em qualquer sinal de movimentação não esperada.

Após coletar os dados os radares irão repassá-los ao centro de comando em tempo real que, por sua vez, os repassará para o EKV em instantes.

Após 20 minutos de trajetória pela troposfera o míssil coreano já vai ter percorrido cerca de ¾ da trajetória final até os Estados Unidos. Enquanto isso o EKV terá uma trajetória de 6 ~ 12 minutos até acertar a ogiva inimiga em alta velocidade, destruindo-a completamente. O seu traajeto é guiado através de sensores, motores de propulsão e instruções de direção vindas do centro de comando em terra.

P.S. Claro que os minutos podem variar dessa simulação para o caso real, pois tudo depende de uma série de fatores, como trajetória, alvo, altitude, pressão, etc. Mas no geral esses números vão servir.

Bom, pelo menos é assim na teoria, onde tudo é bonita e preciso, porém, não dá para esquecer que dos 18 testes feitos até hoje com o interceptador de solo, somente 10 deram certo (especificamente contra um MBI o placar é de 1 acerto em 1 tentativa). Os críticos do sistema apontam que em nenhuma dessas vezes bem-sucedidas as ameaças foram constituídas de mais de 1 míssil inimigo, todas foram feitas durante o dia, sob condições ideais de luz e que nenhum dos testes contou com armadilhas que podem ser utilizadas numa situação real de guerra. Por estes motivos, para eles, a propaganda de Tillerson, que citei no início do texto, não é assim tão verdadeira.

Mas o Pentágono está disposto a melhorar o sistema. Além dos testes com 2 interceptadores contra 1 míssil que se espera realizar em 2018, um novo EKV, mais barato e confiável, está em fase de produção e acredita-se que esteja pronto em 2020. Em fase de pesquisas está também um interceptador que possa enviar mais de um EKV por lançamento. Na questão do monitoramento, um novo radar de longo alcance está programado para ser lançado em 2020 e deverá ter uma visão mais ampla e clara dos mísseis que rastreia, aumentando a precisão dos EKV's.

Além disso alguns congressistas americanos tentam elevar o número de interceptadores para até 100 deles e estabelecer uma 3ª base de contenção de mísseis, a primeira delas na costa leste, local de cidades como Washington DC, Nova Iorque, Boston, Miami, Filadélfia, Detroit, Chicago, etc. A 3ª base seria um desperdício segundo o Pentágono, já que as 2 já existentes cobrem todos os 50 estados em caso de ataque.

Míssil balístico intercontinental russo
Míssil balístico intercontinental russo

No entanto, segundo especialistas em defesa, todo o medo é desnecessário: A Coreia do Norte até pode ter armas nucleares, como já demonstrou publicamente, mas fazer com que elas tenham capacidade de chegar até os Estados Unidos, aí já é uma outra história. Parece que, no final das contas, o sistema antimíssil jamais será usado (pelo menos por enquanto).

Fontes: 1, 2