Talvez você não saiba, mas assim como os EUA tem a NASA, o Brasil tem seu próprio programa espacial, o PEB (Programa Espacial Brasileiro, um nome nem um pouco original, é verdade). Índia, China, Rússia, Japão, Austrália, Reino Unido, Argentina, Chile, etc. Todos tem seu programa espacial. E, embora, nosso fato mais notável tenha sido enviar Marcos Pontes ao espaço, temos outros feitos - e desastres - no currículo.

Confira as principais conquistas da nossa missão espacial, como chegamos até aqui, e depois uma análise do porquê ainda não termos "decolado", e os problemas vão bem além da falta de dinheiro. 

O início militar

Embora você possa estar surpreso com a ideia de existir um programe espacial nacional, tenho de lhe dizer uma coisa: ele não é novo. As primeiras tentativas de construção de um foguete remontam aos anos 40, quando após o final da 2ª Guerra Mundial o país viu que necessitava modernizar sua aeronáutica e exército (e se formos analisar o estudo de "foguetes" e projetos similares, a coisa remonta ao início do século XIX ainda na época da colônia).

Com a fundação do Centro Técnico de Aeronáutica em São José dos Campos em 1947 reacendeu-se um debate sobre os modos de voo que estávamos empregando. A discussão rebateu no Instituto Militar de Engenharia e, como projeto final do curso de autopropulsão, os alunos resolveram construir um foguete em 1949.

Não foi fácil, mas ele decolou. E depois vieram outros. Ao todo o país concluiu 36 projetos de foguetes movidos à combustível sólido entre 1949 e 1972. Alguns, inclusive, foram criados pela marinha que precisava de uma maior precisão nas informações sobre ventos e condições climáticas.

O programa moderno

Pode-se dizer que nosso programa espacial moderno começou nos anos 50, mais precisamente em 1956, quando técnicos brasileiros começaram a montar a estação de rastreio em Fernando de Noronha. A iniciativa foi um resultado da parceria Brasil x EUA e consequência direta da Guerra Fria, onde os países se aliavam ou aos Estados Unidos ou à União Soviética.

A missão do nosso centro de rastreio era simples: rastrear as transmissões das cargas lançadas por foguetes americanos. O projeto teve utilidade até 1958, quando a criação da NASA fez com que o centro brasileiro ficasse ultrapassado e fosse considerado desnecessário. Assim, ele foi descontinuado em 1960.

No início dos anos 60 as coisas andavam rápido na corrida espacial. Cada qual de seu lado, as potências não economizavam recursos para ver quem seria a primeira nação a colocar um homem em órbita. O feito foi conseguido em 1961 quando o soviético Yuri Gagarin orbitou o planeta. Um fato que talvez não tivesse tanta importância para nós se não fosse um detalhe: no mesmo ano o astronauta iniciou uma excursão mundial que passou pelo Brasil. A ocasião fez com o atual presidente Jânio Quadros assinasse um decreto que colocaria o Brasil no rumo do espaço.

O canetaço foi o suficiente para que Ministério da Aeronáutica, Centro Técnico da Aeronáutica, Instituto Tecnológico de Aeronáutica e o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento juntaram forças para criar, entre outros, o Grupo Executivo de Trabalho e Estudos de Projetos Espaciais (GETEPE), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e o Centro de Lançamento da Barreira do inferno (CLBI), a primeira base aérea de foguetes da América do Sul, localizada em Natal e com capacidade para foguetes de pequeno e médio porte.

Com capacidades físicas, faltava a nós capacidade técnica. Assim o próximo passo foi enviar os brasileiros para treinamento na NASA. Pronto, já estávamos com tudo ok para começar nossos projetos espaciais.

Os primeiros resultados

O primeiro protótipo dessa nova fase da pesquisa brasileira foi o Sonda I, um foguete de sondagem lançado em 1967. Ao todo mais de 200 unidades seriam disparadas. O sucesso e empenho com a pesquisa garantiu aos brasileiros a participação no South Atlantic Anomaly Probe, um projeto de parceria que dava aos membros o acesso a informações avançadas sobre foguetes de última geração. Com isso, em 1969, teríamos o Sonda II.

Sonda IV preparado para o lançamento

Os anos 70 foram ainda mais proveitosos, pois com ele vieram mais parcerias: China, países africanos, França e Alemanha. Entre idas e vindas de ideias e treinamentos, em 1976 já tínhamos o Sonda III e em 1979 estava formada a Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (COBAE) que buscava preparar o país para ter uma missão espacial completa, ou seja, podendo atuar tanto nas áreas de satélites, como veículos lançadores e centros de lançamento.

Nos anos 80 aconteceria a mudança do nosso local de lançamentos. A base de Natal passou a ser pequena demais e então os lançamentos passaram a ocorrer em Alcântara, no Maranhão. Foi de lá que decolou a Sonda IV, em 1984. Interessante é que esse modelo já continha, por exemplo, os sistemas de guiagem que seriam incorporados nos veículos lançadores que o país já estava planejando construir.

O Brasil entra na era espacial

Não demoraria muito para que o Brasil entrasse, de fato, na era espacial. Isso ocorreria em janeiro de 1990, quando o primeiro satélite totalmente brasileiro, o Dove-OSCAR 17 decolou da base Kourou, na Guiana Francesa. O mais interessante do modelo é que ele foi feito pelo radioamador Junior Torres de Castro que utilizou apenas recursos próprios (e até onde se sabe tornou-se a única pessoa do mundo a ter um satélite particular). Sua intenção era promover a paz e o conhecimento. Reza a lenda que por conta disso ele foi indicado ao Nobel da Paz.

Alguns anos depois, em 1994, cria-se a Agência Espacial Brasileira (AEB) para fomentar ainda mais as pesquisas no país. O resultado é nossa inserção no Programa da Estação Espacial Internacional 3 anos depois. Estávamos com tudo pronto para enviar o primeiro brasileiro ao espaço. 

Desconsiderando a lentidão que as coisas avançavam, tudo ia muito bem para o nosso programa espacial. Tínhamos satélites próprios em órbita - em 2003 o SCD-1 completara 10 anos em órbitae - e nosso 1º astronauta já estava em treinamento (em 2006 Marcos Pontes seria o primeiro sul-americano a ir ao espaço. Ele ficou lá por quase 10 dias) quando uma tragédia ocorreu em Alcântara. O protótipo do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites) explodiu 3 dias antes do lançamento, durante os preparativos finais matando 21 pessoas.

As causas atestadas foram os parcos investimentos no programa espacial (cerca de 30 milhões de reais naquele ano) que fazia com projetos e protótipos operassem no limite, para não dizer "na superação".

Com isso o projeto brasileiro precisou passar por readequações e um novo lançamento só ocorreria em 2010 em um voo fretado até lá em cima. Enquanto isso o aperfeiçoamento em nosso lançador continua e a previsão de voo está marcada para 2019, quando colocaremos o Amazônia-1 em órbita.

Os maiores desafios

Ok, tivemos percalços no caminho, mas já vimos que o nosso programa espacial não é tão ruim assim, afinal já colocamos nossos satélites 100% nacionais em órbita, e nosso veículo lançador está perto do sucesso, porém, nações como Índia e China - que começaram mais ou menos na mesma época - estão disparadas em tecnologia na nossa frente. O que aconteceu?

Claro que podemos apontar o problema de recursos financeiros como o maior de todos, afinal, enquanto a NASA ou o Programa Chinês tem orçamentos na casa dos bilhões de dólares nossos cientistas tentam fazer milagre com alguns poucos milhões, para ser mais exato: pouco mais de 10 milhões em 2017. Para piorar, cerca de 30% são destinados a aposentadorias, diárias, material de consumo, etc. Dos 39 milhões de reais disponíveis para 2017, cerca de 29 são destinados a investimentos e pesquisas. 

Até mesmo os campos de lançamentos brasileiros estão com problemas, enfrentando de um lado a especulação imobiliária e do outro as demarcações de terras quilombolas.

Concepção artística do Cyclone-4 que nunca chegou a decolar

Mas esses até podem ser considerados problemas "leves" se compararmos ao próximo que nada mais é do que a obstrução norte-americana. Documentos vazados pelo Wikileaks revelam que o governo dos Estados Unidos escreveu à embaixada da Ucrânia em Brasília informando que eles "não apoiavam o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil", dando mais força às teorias de que a explosão de Alcântara foi fruto de sabotagem norte-americana.

O medo dos americanos é que nossos foguetes poderiam ser convertidos em mísseis, já que usamos combustível sólido em sua propulsão e temos os militares atrelados ao programa espacial. Por conta disso os EUA são contra a transferência de tecnologia para o Brasil, o que acaba gerando mais atrasos ao nos "obrigar" a fazer as pesquisas do zero. No mesmo documento vazado eles deixaram bem claro que "... os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil".

O medo dos americanos é com o Alcântara Cyclone Space, um foguete produzido em parceria Brasil-Ucrânia que tem o objetivo de colocar satélites em órbita a partir da base maranhense. Após tantas polêmicas o projeto foi encerrado pelo governo brasileiro em 2015 alegando que as estimativas de lucro haviam sido mal projetados e não dariam conta de custear as pesquisas e lançamentos, causando prejuízos ao país caso o projeto fosse levado adiante.  

O lançamento a partir de Alcântara tinha como ideia aproveitar-se do posicionamento geográfico que coloca o Brasil em vantagem. Lançando a partir de uma base próxima da Linha do Equador, como é o caso, os gastos com combustível caem em até 30% ao utilizar o próprio movimento da Terra. 

E para fechar a lista de empecilhos podemos citar mais um ponto que acaba atrasando nossas pesquisas e avanços: a deficiência da iniciativa privada. Sabe-se que nem sempre o investimento governamental é a melhor opção, principalmente no Brasil, onde interesses de terceiros sempre acabam interferindo de uma forma ou de outra. Mas para embasar este ponto vejamos o caso dos EUA:

Nas últimas décadas apenas Rússia e Estados Unidos tinham condições de levar pessoas ao espaço. Os americanos o faziam através dos famosos - e caros - ônibus espaciais e os russos através da nave Soyuz. Com o passar do tempo e um novo alinhamento de prioridades - missão tripulada a Marte - o governo americano precisou interromper o envio de astronautas através dos seus métodos (o programa consumia quase todo o dinheiro da NASA). A saída encontrada foi pagar aos russos para que seus astronautas pegassem uma carona na Soyuz.

Ou melhor, essa ERA a saída. Desde a década de 2000 empresas privadas de exploração espacial começaram a mostrar resultados positivos nos EUA, sendo os casos mais famosos a Blue Origin (de Jeff Bezos), a Virgin Galactic (de Richard Branson) e a SpaceX (de Elon Musk) - sem contar empresas como Lockheed Martin e Boeing que há décadas contribuem direta ou indiretamente para esse cenário.

O caso de maior sucesso até o momento é a SpaceX que já firmou contrato com a NASA para enviar os tripulantes americanos dos próximos anos à Estação Espacial Internacional por um preço bem menor do que os russos cobram e infinitamente menor do que custava através dos ônibus espaciais.

E é justamente esse avanço proporcionado pela iniciativa privada que é facilmente observado no caso da SpaceX. Com bilhões de dólares investidos do próprio bolso e fazendo de tudo para que a empresa não fosse mais um dos casos de falência na exploração espacial privada Elon Musk tem como objetivo baratear os envios em cerca de 90% do que era cobrado normalmente, seja de satélite ou de astronautas. E ele está quase lá.

Há anos discutia-se a teoria de que talvez (e as chances eram baixíssimas) pudéssemos desenvolver foguetes reutilizáveis (o custo do foguete responde por mais de 80% do preço de um lançamento), porém a empreitada governamental não assumia os riscos da empreitada e, sem a mão da iniciativa privada, talvez nunca tivéssemos chegado neste estágio.

Enquanto isso no Brasil estamos presos à iniciativa governamental, de baixo orçamento, de alinhamentos militares e interesses - quem sabe - nem sempre tão nobres. Até mesmo as universidades brasileiras ficam de fora da pesquisa espacial por ser uma demanda muito custosa.

Nosso futuro

Hoje o Brasil trabalha no Programa Cruzeiro do Sul, uma nova família de lançadores que atenderá tanto a missões oficiais, como clientes internacionais. A iniciativa faz parte do Programa nacional de Atividades Espaciais, lançado em 2005, com um custo total de 700 milhões de dólares e que até 2022 pretender deixar o país independente no transporte espacial de satélites de pequeno e grande porte.

Outra aposta é o programa Aster, que se sair do papel - ainda não houve a destinação de recursos -, entrará em ação em 2018 e enviará uma sonda brasileira para um sistema triplo de asteroides. Orçado em 40 milhões de reias seríamos o 5º país do mundo a colocar uma sonda neste tipo de corpo celeste e os primeiros a um asteroide triplo. 

E aí? Será que ainda temos tempo de recuperar o atraso? Deixe seu comentário abaixo e participe da discussão. 

Para saber mais sobre o assunto clique aqui ou acesse o site da Agência Espacial Brasileira.