O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu reduzir o papel da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) na aplicação do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital), e a medida já acendeu uma disputa sobre quem vai fiscalizar as big techs e o uso de inteligência artificial no Brasil. A partir de agora, o governo designou a ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) como a autoridade responsável.
Lula é acusado de cometer "golpe na Anatel"
A decisão dividiu opiniões no setor de comunicações e despertou críticas de especialistas e representantes da indústria. Empresários acusam o governo de cometer um "golpe na Anatel", enfraquecendo uma agência já estruturada, enquanto o Planalto defende que a medida segue a lógica de centralizar a proteção de dados digitais em um único órgão.
O ECA Digital foi sancionado em setembro, após a repercussão das denúncias do youtuber Felca, que expôs a monetização indevida e a adultização infantil em plataformas online. O Congresso havia indicado a Anatel como responsável por determinar bloqueios de empresas infratoras, mas agora Lula vetou o dispositivo por inconstitucionalidade, alegando que a estrutura da administração pública é prerrogativa exclusiva do presidente.
Com a decisão, a ANPD vai supervisionar a aplicação do ECA Digital e deve se tornar peça-chave também no combate à desinformação. O governo já enviou ao Congresso uma Medida Provisória que transforma a ANPD em agência reguladora.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da MP e autor do ECA Digital, minimizou as críticas. Para ele, a ANPD "terá estrutura suficiente" para desempenhar o papel e a Anatel deve focar em outras frentes.
Especialistas criticam postura e governo se defende
Apersar do apoio de alguns, a verdade é que nem todos concordam com essa mudança do governo Lula. O professor Ricardo Campos, especialista em regulação digital da Universidade de Frankfurt, alertou que o Brasil pode se isolar do padrão global.
"Estamos criando uma jabuticaba regulatória. Nenhum país do mundo deu à agência de proteção de dados a função de regular big techs."
Segundo ele, na Europa, quem aplica as leis digitais são as equivalentes à Anatel, e é isso o que garante coordenação global entre as agências. Com essa postura, Campi alerta que "o Brasil será o único país que não conseguirá dialogar tecnicamente nesse campo".
Para se defender, a Secretaria de Comunicação da Presidência rebateu as críticas e afirmou que não há restrição à atuação da Anatel, apenas uma redefinição de papéis. De acordo com o governo, a MP não cria novos gastos, já que os cargos da ANPD serão preenchidos por remanejamento de vagas existentes.
O Ministério das Comunicações declarou apoiar o fortalecimento da Anatel em temas de cibersegurança, mas reforçou que a proteção de dados é competência da ANPD. Já o Ministério da Justiça afirmou que o modelo adotado "segue tendências internacionais", em que autoridades de proteção de dados também lidam com direitos digitais e casos de IA.
A Anatel, por sua vez, disse respeitar a decisão, mas destacou que toda interação com o setor digital depende das redes de telecomunicações, aspectos que estão sob sua responsabilidade.






