Na última semana, uma história sobre uma possível cidade perdida na Amazônia movimentou as redes sociais. A teoria, que para os especialistas é mentira, fala de uma civilização que teria morado na região da floresta há mais de 450 milhões de anos.

A partir disso, muitas especulações e teorias passaram a ganhar vida e força nas redes sociais, sobre essa possível descoberta histórica. Afinal, será que essa possível cidade perdida na Amazônia Ratanabá existiu mesmo? O que dizem os especialistas?

Abaixo, confira todos os detalhes dessa história, bem como se de fato existiu mesmo.

Ratanabá existiu mesmo, ou é fake?

Em suma, as postagens viralizaram no TikTok, no Twitter, e no Instagram. Inclusive, diziam que a cidade seria "maior que a Grande São Paulo", que era "a capital do mundo", bem como "esconde muita riqueza, como esculturas de ouro e tecnologias avançadas de nossos ancestrais".

Ademais, algumas teorias de conspiração afirmavam que a descoberta ajudaria a explicar "o verdadeiro interesse de dezenas de homens poderosos na Amazônia" e até o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira. Entretanto, como todos sabem, os dois foram assassinados, e até o momento, Amarildo da Costa Oliveira está preso.

E realmente, nada faz sentido. É o que explica Eduardo Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, que estuda a região há 35 anos. De acordo com Neves, "Tudo isso é um delírio".

A história da cidade chamada como a capital do mundo não passa de uma teoria infundada (Crédito: Portal da Amazonia/Reprodução)
A história da cidade chamada como a "capital do mundo" não passa de uma teoria infundada (Crédito: Portal da Amazonia/Reprodução)

Para ele, a aparição de histórias como a de Ratanabá, que não possuem nenhum fundamento nas publicações cientificas recentes, só presta um "desserviço à arqueologia".

Abaixo, entenda os principais argumentos de Eduardo Neves, que mostram que a história é fake.

1. Período de tempo não fecha

De acordo com Neves, "Há 450 milhões de anos não existia nem América do Sul, Cordilheira dos Andes, e as evidências mais antigas da nossa espécie (Homo sapiens) não chegam nem a 1 milhão".

Ou seja, durante o período que é citado na teoria, os atuais continentes não existiam, e estavam unidos na Pangeia. Inclusive, Neves afirma que a humanidade estava longe de dar os primeiros passos. É dito isso, pois os mais antigos fósseis de Homo Sapiens já encontrados datam de 300 mil anos atrás.

2. Civilização Murial não tem registro

Além disso, a cidade perdida de Ratanabá teria sido erguida, conforme as fontes que circulam nas redes sociais, pela civilização Murial. Entretanto, não há nenhum registro dessa civilização nas revistas científicas.

3. Imagens ilustrativas sem base na realidade

Neves alerta ainda que as imagens usadas para ilustrar a cidade perdida possuem pouca base na realidade. Elas mostram apenas grandes construções douradas, e reluzentes feitas de rocha e ouro. Ou seja, materiais dificilmente encontrados na região, na proporção necessária para conseguir erguer uma cidade desse tamanho.

4. Grupo que descobriu a cidade criou teoria do ET que virou meme

A origem da teoria de Ratanabá vem de diversas publicações nas redes da entidade Dakila Pesquias, que diz ter feito a descoberta da cidade perdida. O grupo, que é fundando por Urandir Fernandes de Oliveira, já teve o seu nome atrelado a outras teorias que, inclusive, viraram meme. Exemplo disso, é o caso do ET Bilu, conhecido pela frase "busquem conhecimento".

História viralizou na internet

Em suma, as publicações sobre Ratanabá começaram a ganhar força nas redes sociais no último final de semana, e logo viraram alvo de memes.

Dentre os que fizeram postagens sobre o assunto, está o ex-secretário de Cultura Mário Frias, que chegou a fazer uma reunião com Urandir Oliveira em 2020. Em outras postagens, o assunto foi motivo de piada.

Arqueologia na Amazônia

Embora seja infundada a teoria de Ratanabá, as pesquisas arqueológicas recentes apontam que a Amazônia pré-colombiana tinha assentamentos indígenas dotados de certo grau de complexidade, a ponto de serem classificados como urbanos por alguns arqueólogos.

Entretanto, segundo Eduardo Neves, não são cidades como se entende no sendo comum:

"Existem evidencias de urbanismo no Alto Xingu, na Bolívia, Amazônia equatoriana. Mas, quando as pessoas pensam em cidade antiga, elas pensam no modelo de uma pólis grega, de uma cidade murada. Aqui, eram cidades dispersas, com baixa densidade demográfica, da qual as pessoas saiam e voltavam".

Ademais, os achados mostram a existência de antigas estradas feitas pelas comunidades locais há pelo menos 2000 anos. Além disso, uma recente pesquisa publicada na revista Nature mostrou, por meio de um levantamento feito pelo sistema de laser aéreo "Lidar", a existência de pirâmides de até 22 metros na região de de Llanos de Mojos, na Bolívia.

Supostas estradas e pirâmides encontradas na cidade de Ratanabá (Crédito: Portal da Amazonia/Reprodução)
Supostas estradas e pirâmides encontradas na cidade de Ratanabá (Crédito: Portal da Amazonia/Reprodução)

"São construções de terra. Antigamente, os arqueólogos iam ao campo e achavam que era tudo natural" explica Neves. Assim, ele aponta que outras construções de terra já foram identificadas em território brasileiro. Tais como no Acre. Tudo isso, graças aos avanços tecnológicos.

Por fim, Neves aponta preocupação com o impacto que boatos de cidades míticas de ouro podem ter para a região. Ele expõe que:

"Imagina se começa a aparecer um monte de maluco lá atrás de ouro? Pode ser uma ameaça aos indígenas da região. Nossa pesquisa vai ser feita em conversas com as comunidades locais. É irresponsável fazer isso de outra forma, arqueologia não funciona mais assim".