Hoje a Apple é a maior empresa do mundo, pelo menos em valor de mercado, mas a história até aqui não foi fácil: Teve sucessos, fracassos, a saída e o retorno de Steve Jobs e a quase falência nos anos 90.

Coisas que todas as grandes empresas passam, é verdade; mas a Apple tem uma particularidade: Ela começou através de uma brincadeira de passar trotes.

Sim, a 1ª empresa a valer mais de 1 trilhão de dólares começou com uma brincadeira de dois garotos. Entenda como essa histórica que começou com trotes telefônicos acabou na fundação da Apple Computers, menos de 5 anos depois.

Mas antes de entendermos como Steve Jobs e Steve Wozniak entram nessa história temos que entender o ponto principal: O que é um Blue Box.

Blue Box

Sem mais delongas, teoricamente falando, um Blue Box é um dispositivo eletrônico que gera os sinais de áudio de sinalização em banda usados na época para controlar as centrais telefônicas de longa distância.

Os sinais de áudio de sinalização funcionavam com o seguinte propósito: Imagine que você é um funcionário de alguma companhia telefônica e está a 3 mil quilômetros da sua central respondendo a um chamado. Você precisa então ligar a central para resolver algumas coisas. Para que não precisasse pagar por essa ligação de longa distância criou-se os tais sinais de áudio que faziam a conexão direta e sem custos.

Ao colocar um dispositivo emissor que fizesse tal barulho na linha o sistema imediatamente reconheceria que quem estava ligando era um funcionário da companhia e liberaria ligações para onde ele desejasse, inclusive exterior. A ideia era simples e rápida e funcionou perfeitamente, até que alguns dos primeiros hackers do mundo descobriram o sistema. 

Blue Box da época exposta no Powerhouse Museum de Sidney, Austrália
Blue Box da época exposta no Powerhouse Museum de Sidney, Austrália

O que eles perceberam foi que, ao gerar os mesmos tons usados pelo console de discagem de uma operadora de telefonia, um usuário de Blue Box poderia fazer suas próprias chamadas para qualquer lugar do mundo e ignorar a cobrança pela companhia telefônica. E a coisa pegou rápido: quando Jobs e seu parceiro Wozniak chegaram na cena ela já era bastante movimentada.

A cena do Blue Box

O primeiro cara a confirmar a teoria de que com o som certo poderia fazer ligações ilimitadas foi David Condon (o sistema havia sido externalizado academicamente) que, em 1955, assoviou suas flautas de brinquedo (um apito para aves e outro para gatos) em seu telefone. O sistema funcionava.

Condon só usou seu truque para economizar alguns centavos em ligações telefônicas de longa distância, mas acidentalmente plantou as sementes de um movimento inteiro. O responsável por incendiar a cena, inclusive, foi Joe Engressia, mais conhecido como "Joybubbles". 

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Galera fazia fila nos anos 60 para hackear telefones
Joybubbles era um cara cego que, por conta da sua deficiência, havia otimizado seus demais sentidos e tinha um controle perfeito da voz. Ele podia imitar qualquer nota que ouvia, até mesmo as menores mudanças de tom que seriam imperceptíveis para qualquer outra pessoa. Quando ele tinha apenas sete anos de idade, ele descobriu que podia usar essa habilidade para invadir o sistema da companhia telefônica.

Joybubbles até ganhou uma grana com isso, cobrando de seus amigos US$ 1 para invadir seus telefones e deixá-los fazer chamadas de longa distância gratuitas.

Em 1971, ele se transformou em uma pequena celebridade quando a revista Esquire escreveu um artigo sobre ele e os Phone Phreakers.

Com o artigo Joybubbles conseguiu 2 coisas: Ser conhecido ao ponto de ser preso (de propósito, pois assim ele conseguiria um contrato com uma empresa de segurança e ganharia mais do que alguns dólares por semana) e fazer com que a febre da invasão de celulares deslanchasse de vez.

Assim surgiram os "Phones Phreaks", como eles se chamavam (uma brincadeira com "Freak" que significa "maluco"), que faziam fila para hackear telefones públicos nas ruas dos Estados Unidos.

Entre eles estavam dois jovens curiosos e que gostavam de eletrônica: Steve Jobs, e Steve Wozniak. E eles não iam ficar de fora da moda.

Como a brincadeira resultou na Apple

Lembra do artigo da Esquire que falei há pouco e que ajudou a popularizar as Blue Boxes? Foi em um domingo de setembro de 1971 que Steve Wozniak ficou impactado com a matéria chamada "Segredos da Pequena Blue Box".

Aquela matéria era como um manual e como um convite para que ele entrasse para o mundo das ligações telefônicas hackeadas. Wozniak lembra que não conseguiu terminar de ler a matéria sem ligar para o seu melhor amigo e o único que ficaria tão empolgado quanto ele com tudo aquilo: Steve Jobs. 

Steve Jobs amou, é claro, mas nem todos estavam tão empolgados com essa ideia libertária. A AT&T, maior operadora de telefonia americana e criadora deste sinal de chamada para técnicos, começou a recolher imediatamente todas as edições de um manual que ensinava as frequências e tons para operá-lo com medo de que mais gente começasse a operar chamadas clandestinas em sua linha.

Os Steves sabiam que tinham que correr caso quisessem dar uma olhadinha em um destes manuais antes que perdessem a chance para sempre. Assim, naquele mesmo domingo, eles foram até uma das bibliotecas de Stanford; entraram por uma porta lateral destrancada (a biblioteca fechava nos domingos) e começaram a percorrer as prateleiras até que, finalmente, Woz encontrou o que buscavam. E, por mais incrível que parecesse, estava tudo ali, os tons, as frequências; tudo que precisavam para o esquema estava sendo entregue de bandeja para eles.

Naquela noite Wozniak foi até uma loja de peças e comprou tudo o que era necessário para um gerador de tom analógico. Como Jobs já havia construído um contador de frequência, seria fácil calibrar os tons desejados. Depois, com um sintonizador, poderiam replicar e gravar os sons desejados em fitas. Tudo certo, ou quase, pois após montarem tudo uma pequena peça chamada oscilador não era estável o suficiente para reproduzir os sons corretos sem zumbidos e interferências.

Woz e Jobs no desenvolvimento do Apple I, alguns anos depois
Woz e Jobs no desenvolvimento do Apple I, alguns anos depois

Como Woz iria para a universidade na manhã seguinte, ele se comprometeu a criar um Blue Box digital quando chegasse por lá. Nunca ninguém tinha feito um Blue Box digital antes, então seria um bom desafio. 

Rapidinho o dispositivo estaria pronto. E não era só um dispositivo qualquer; segundo Wozniak esse foi o circuito do qual ele mais se orgulhava de ter projetado até então. 

Ansioso para os primeiros testes ele pegou o carro e foi da faculdade até a casa de Jobs certa noite. A partir de então eles começaram a se divertir e passar trotes. O mais famoso de todos foi quando ligaram para o Vaticano e Steve Woznik se passou pelo diplomata americano Henry Kissinger pedindo para falar com o papa. A ligação só não foi concluída porque era madrugada no Vaticano.

Foi assim que surgiu um detalhe mágico que marcaria a parceria entre os dois: Steve Jobs teve um estalo e percebeu que aquilo poderia ser mais do que um simples hobby; poderia ser um negócio. Após os cálculos iniciais ele concluiu que eram gastos cerca de 40 dólares em peças e que o preço de venda deveria ser de pouco mais do que o triplo, 150 dólares.

Foram construídas mais de 100 Blue Box e todas elas foram vendidas, exceto aquela que fora roubada à mão armada assim que Jobs fez a demonstração a um potencial cliente um tanto quanto suspeito.

O mais importante não foi a grana que eles ganharam (150 dólares de 1971 equivalem a cerca de 940 dólares em 2018), mas sim a confiança de que juntos, com a genialidade de Steve Wozniak na engenharia e o tino de Steve Jobs para os negócios, eles poderiam criar e vender o que desejassem, fazendo até mesmo uma grana ainda mais legal, quem sabe.

O que viria na sequência seria o lendário Apple I, e o resto é história. Aliás, a história já foi contada aqui nesta série de posts sobre a marca.

Para saber mais: Steve Jobs