Quem gosta de ficção científica já deve ter lido ou assistido algo sobre o lendário alinhamento dos planetas. Nas estórias sempre que isso acontece algo extremamente desagradável vem logo na sequência, geralmente uma destruição da Terra.

Mas desconsiderando as consequências ficcionais, uma pergunta fica no ar: A partir do momento em que os corpos celestes estão em constante movimento e se cruzando algumas vezes por ano, é possível que ocorra um alinhamento entre 8 planetas?

E se for possível, isso realmente poderia ter alguma consequência aqui na Terra? É o que veremos nesse texto.

É possível acontecer um alinhamento total de planetas?

Antes de mais nada há de se definir o que será usado como alinhamento neste post, já que a palavra pode significar muita coisa. Na leitura que você vai fazer hoje eu utilizei como "alinhado" o seguinte: o sol (ou algum outro planeta do tal alinhamento) sendo atravessado por uma linha reta infinita. Aqueles planetas que estivessem tocando nesta linha estaria, portanto, "alinhados". E se um escopo mais abrangente for utilizado para fins de comparações, eu irei informar.

Pois bem, agora sim, sem rodeios, a resposta mais aguardada: Embora fosse bonito de ver um alinhamento completo, isso nunca vai acontecer. Não tem como :(

O fator mais gritante e que pode desmontar qualquer teoria de ficção científica é bem fácil de entender: órbitas. Todo planeta tem uma órbita ao redor do sol, cada qual com seu tempo de duração. E é esse tempo para fazer uma volta completa no sol que faz toda a diferença.

Detalhe: E nem estamos considerando Plutão (que é agora um planeta anão) e não entra mais na conta dos "planetas alinháveis", senão teríamos outro problema. Se Plutão contasse a coisa ficaria ainda mais complicada já que sua órbita não é bastante inclinada, o que dificultaria (ou impossibilitaria) seu alinhamento.

Mas ok, voltando ao tempo que levaria para uma conjunção completa e a matemática que mostra as chances do fenômeno acontecer tenho uma péssima notícia caso um dos seus sonhos seja ver um alinhamento completo em vida. Como dito antes, por cada planeta ter um caminho em torno do sol a percorrer diferente dos demais e girar em torno do sol também numa velocidade diferente, para que os 8 se encaixassem em um alinhamento demoraria muuuuuito tempo.

Urano, por exemplo, demora 84 anos para dar a volta no sol e Netuno mais do que o dobro: 165 anos. Assim, quando Netuno chegasse em um ponto específico e estivesse alinhado com Marte, por exemplo, teria que dar o acaso de Urano estar ali também (o que não ocorre com frequência já que sua volta completa no sol demora mais de 8 décadas). Se a oportunidade se perder, precisará começar tudo de novo.

Tempo que os planetas levam para completar uma volta no sol em escala
Tempo que os planetas levam para completar uma volta no sol em escala

Por conta disso e de um outro motivo é que foi dito que somente em teoria o alinhamento poderia acontecer, mas não na prática. E esse segundo motivo é tudo por culpa do sol, que morreria antes do tempo calculado para o alinhamento acontecer, levando junto com ele todas as chances de um espetáculo de alinhamento. Nosso sol tem uns 4.6 bilhões de anos e já é um senhor de meia idade. Os cientistas acreditam que ele vá viver ainda mais uns 5 bilhões de anos, quando irá ficar sem combustível para queimar (hidrogênio) e irá começar a queimar hélio e se tornar uma Gigante Vermelha (nosso sol não é grande o suficiente para virar um buraco negro).

Quando isso acontecer ele irá se expandir rapidamente engolindo as órbitas de Mercúrio, Vênus e talvez até a Terra. Assim, antes que um alinhamento de 8 planetas pudesse acontecer, pelo menos 2 ou 3 deles seriam destruídos.

Mas se você está se perguntando, afinal quanto tempo isso vai demorar para acontecer e espera uma resposta concreta, nem mesmo que seja algo como 1 trilhão de anos, uma péssima notícia. Essa resposta eu vou ficar te devendo. E a culpa não é minha que não fiz a pesquisa direito, é que não se pode fazer um cálculo do que realmente não tem como acontecer, concorda?.

Mas se um alinhamento de 8 planetas é impossível, ainda assim dá para calcularmos quanto tempo demoraria para os casos mais simples ou então para umas "gambiarras". E foi isso mesmo que fez o astrônomo Jean Meeus; segundo os cálculos dele, se tirarmos Plutão (que na época do estudo ainda era um planeta), o mais próximo de um alinhamento total ocorreu em 1128 quando os 8 corpos celestes ficaram em um mesmo espaço de cerca de 40° de abertura. O próximo encontro dos 8 vizinhos será em 2161 (69° de abertura) e 2176 (78° de abertura). Ou seja, com estes graus de abertura o máximo que se consegue garantir é que eles vão estar visíveis em um mesmo céu noturno, mas mesmo assim bastante longe um dos outros para caracterizar um alinhamento, uma verdadeira gambiarra. Mais informações sobre como calcular estes eventos podem ser obtidas aqui.

O alinhamento abaixo foi simulado por este site (você pode, inclusive, fazer suas próprias simulações) e tem uma aproximação de cerca de 30º. Ele representa o que pode ser visto em 1128 e, caso você queira simulá-lo, basta colocar "1128-04-11 0:00:00" no campo de busca do site.

Conjunção de 1128
Conjunção de 1128

Lembra que eu falei antes que uma conjunção total ficou bem mais fácil depois que Plutão deixou de ser planeta? Pois olha as contas com 9 planetas a serem alinhados: Segundo Meeus o alcance máximo de alinhamento com ele foi alcançada no ano de 949 com uma abertura de 90º, mesma aproximação recorde que só voltará a ocorrer em 2492. Um intervalo de mais de 1500 anos para um "alinhamento" máximo que faria qualquer pessoa com TOC ficar desesperada tamanha falta de organização.

Mas certamente você já ouviu falar em algum alinhamento menor. Isso porque alinhar 4 planetas (contando com a Terra) é bastante comum, ocorrendo a cada 2 anos, mais ou menos (a última vez que um alinhamento visível aconteceu foi em 2015 quando Vênus, Júpiter e Marte se alinharam no céu). Atente para um fato singular: Quando pensamos em alinhamento costumamos pensar sempre nos planetas à frente da Terra de modo que possamos ver todos eles alinhados, porém, o alinhamento pode ocorrer às nossas costas também. No próprio alinhamento de 2015 Urano ficou alinhado, porém do outro lado.

Alinhamento dos planetas de 2015
Alinhamento dos planetas de 2015

Mas se o alinhamento de 4 planetas é fácil, vá incrementando o número de itens a alinhar e a raridade vai aumentando exponencialmente. Com 5 planetas ele acontece em um intervalo de décadas a séculos, 6 planetas em séculos a cada mais de mil anos e com 7 ou 8.... Bom, daí vai ser difícil.

É bem provável que nunca tenhamos tido um alinhamento de mais de 6 planetas, desde a formação do sistema solar até os dias de hoje.

E se você quiser ir mais a fundo na questão da impossibilidade do alinhamento, tem a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, que também ajuda a explicar que isso nunca ocorrerá. Segundo ela podemos concluir que o espaço não é um "espaço euclidiano" 2D, ou seja, ele sofre com a gravidade do sol e dos demais corpos nas 3 dimensões, o que impossibilitaria aquela tal linha imaginária retinha através do sol ou da Terra que falei logo no início. Porém, se seguirmos nessa linha teórica o texto vai ficar muito mais complicado do que eu consigo explicar (ou entender).

Alinhamento de 2011 visto da Austrália
Alinhamento de 2011 visto da Austrália

Mas e se um alinhamento completo acontecesse?

Ok, mas digamos que você é teimoso e insiste no fato de que em algum momento o alinhamento vai ocorrer. Neste caso, quais seriam as consequências diretas na Terra?

Sinto muito em desapontar - mais uma vez -, mas as consequências seriam mínimas para não dizer inexistentes. O que aconteceria, por exemplo, seria que o centro de massa do sistema solar se deslocaria um pouquinho pro lado. Ele mudaria de 7% do raio solar em relação à sua superfície para algo como 7,6%.

Embora os autores de ficção e pseudociência gostem de imaginar que um alinhamento planetário resultaria em uma união dos campos gravitacionais dos planetas e com essa união viessem os maremotos, terremotos, inundações, tornados, pragas, extinções em massa ou qualquer outra forma de desgraça, esqueça. Na verdade, existem apenas dois objetos do sistema solar com gravidade suficiente para afetar significativamente a Terra: a lua e o sol, que já estão fazendo isto neste exato momento.

A gravidade do sol é forte porque o sol é algo incrivelmente maciço. Sozinho, ele responde por 99,86% de toda a massa do Sistema Solar inteirinho ou cerca de 330 mil vezes a massa da Terra (se fizéssemos um recipiente do tamanho do sol poderíamos colocar 1 milhão de planetas Terra lá dentro). Já a gravidade da lua se explica pela sua proximidade com o nosso planeta, já que ela é pequeninha.

Catástrofes ficam somente na ficção mesmo
Catástrofes ficam somente na ficção mesmo

Na prática, é por causa do sol e de sua gravidade que a Terra tem essa órbita que dura um ano e, aliada à inclinação do nosso planeta, temos as quatro estações. Já a gravidade da lua é a responsável pelas marés oceânicas diárias. Ou seja, os maiores - e únicos - objetos capazes de influenciar nosso planeta já estão exercendo gravidade sobre nós neste exato instante, então nada mudaria.

Outra coisa a se notar é que, mesmo que os 8 planetas mais o sol ficassem em uma linha retinha, nada mudaria já que os nossos vizinhos ficariam à mesma distância de sempre, logo a mesma gravidade será exercida sobre a Terra. Vênus está a 261 milhões de quilômetros de um lado e Marte a 225 milhões de quilômetros de outro.

O último alinhamento máximo que tivemos recentemente

Talvez você se lembre do último alinhamento máximo que vivenciamos aqui na Terra. Ele aconteceu em 2002 e "alinhou" Mercúrio, Vênus, Marte, Saturno e Júpiter, além da Terra, é claro. E sim, aquele alinhou está entre aspas de propósito já que Júpiter, embora alinhado na imagem, não está alinhado na disposição planetária como pode ser visto na comparação ao lado. Isso acontece por conta do ângulo de abertura que pode causar uma ilusão de ótica.

Detalhando melhor a tal ilusão: Imagine uma folha de papel recortada em formato de um círculo. Se você olhar para o círculo de cima, você vê um círculo. Se você olhar para ele de um determinado ângulo, verá uma elipse, e se você colocar o círculo ao seu lado, na altura dos olhos, ela irá ver apenas uma linha. A Terra está no mesmo plano que os outros planetas, então todos os planetas parecem estar se movendo em uma linha. Isso significa que as posições dos planetas no céu "sempre" estarão em uma linha, mesmo quando não houver alinhamento.

O plano da eclíptica parece uma linha, porque a Terra está no seu plano. No entanto, quando há um alinhamento com a Terra (como ocorreu em 2002), os planetas parecerão não apenas na linha da eclíptica, mas bastante próximos no céu.

Alinhamento de 5 planetas de 2002
Alinhamento de 5 planetas de 2002

Por isso, mesmo que tenham sido só 5 planetas alinhados + 1 "parecendo alinhado" eu tomei a liberdade de colocá-lo como o último alinhamento máximo que tivemos (mesmo que em 2011 também tenhamos tido um outro de 5 planetas, só que sem o adendo de um sexto planeta em um falso alinhamento). Esse de 2002 ocorreu em fins de abril e o fenômeno ficou visível com um planeta mais aqui, outro mais acolá por cerca de 3 semanas no céu noturno do hemisfério norte.

Um alinhamento com estes planetas (mais ou menos alinhados, na verdade) havia acontecido em maio de 2000, porém havia um sol entre nós, o que impossibilitou que o fenômeno fosse visto daqui da Terra (e dessa vez não fui eu que forcei a barra em chamar de alinhamento, foi a NASA mesmo). Os próximos alinhamentos dos 5 planetas se darão em 8 de setembro de 2040 e julho de 2060 e depois em novembro de 2100, sendo em nenhum dos casos tão visíveis como a de 2002. A próxima conjunção de 5 planetas que ficará tão próxima como essa somente em 2675.

Fontes para seguir a leitura: 1, 2, 3, 4