Dentre os assuntos relacionados à astronomia que mais ganham divulgação na mídia estão as temidas tempestades solares. Enquanto muita confusão e desinformação se mistura com fatos concretos, as histórias de erupção na nossa estrela são vendidas com um sensacionalismo capaz de fazê-las parecerem com o próximo armagedon.

O problema é que as tempestades solares não são raras e, dependendo da boa vontade do sol, podem chegar a ocorrer entre várias em um mesmo dia a até apenas 1 em várias semanas. Só para citar as mais recentes, teve essa de novembro e essa em setembro de 2017. A próxima acontecerá na semana que vem, a partir do momento em que escrevo esse artigo).

Mas será que elas são tão perigosas quanto a gente pensa? Será que alguma delas já causou grandes danos ao nosso planeta? Quando será a próxima grande? Qual a diferença entre erupção e ejeção?

As respostas para essas e outras questões a partir de agora.

O que é e por que acontece?

Resumidamente, tempestade solar é um nome genérico dado a uma explosão no Sol que acontece quando a energia armazenada em seus campos magnéticos (geralmente acima das manchas solares) é repentinamente liberada. Em tese, é isso, mas calma, não feche ainda essa aba do navegador agora que já descobriu a resposta da pergunta que te trouxe até aqui. Ainda há muito o que se falar sobre elas e sobre o sol. 

Para começar, vamos entender primeiro de onde vem tanta força analisando alguns dados sobre nossa estrela. Sua massa é de cerca de 330 mil vezes a massa da Terra, ou ainda, 99,86% de toda a massa do Sistema Solar inteirinho (e aqui preciso lembrar que massa é diferente de peso, já que peso é massa x gravidade). Além disso, em questões de tamanho ele também é colossal: Se fizéssemos um recipiente do tamanho do sol poderíamos colocar 1 milhão de planetas Terra lá dentro.

Mas suas principais diferenças vêm da composição química e das reações ocorridas em seu interior. Como você já sabe, o sol é uma estrela (às vezes a gente até esquece disso por ter em mente que estrelas são aquelas coisinhas pequenas lá longe e que só aparecem a noite, né?) e por isso tem reações diferentes daquelas que estamos acostumados a perceber com os planetas rochosos assim como a Terra ou Marte ou ainda os gasosos como os gigantes Saturno e Júpiter. 

O sol é feito, basicamente, 75% de Hidrogênio e 25% de Hélio (além de uma série de outros elementos como oxigênio e carbono que somados não atingem 0,1%). Com uma temperatura média de aproximadamente 10 mil graus Celsius em sua superfície, a parte mais externa do sol (chamada de Cromosfera) é, no máximo, MUITO FRIA perto do que se mede em seu núcleo. Tudo porque lá a temperatura chega a inacreditáveis 15 milhões de graus graças às suas mais de 600 milhões de toneladas de hidrogênio transformadas em hélio a cada segundo. É essa reação que faz o sol aquecer e gera a vida por todo o nosso sistema solar.

Detalhe: E assim como toda queima de combustível não renovável, um dia o combustível acaba. Quando isso acontecer nosso sol morrerá. Mas não se preocupe, pois isso ainda vai demorar: a idade do sol é de 4.6 bilhões de anos e sua reserva de hidrogênio não acabará antes dos 10 bilhões.

Voltando às reações, a diferença de massa na fusão dos dois elementos é expelida em forma de energia e calor. Além de ser um longo caminho, o interior do sol deve ser um enorme labirinto já que, para sair do núcleo e chegar até a superfície da estrela, essa energia pode levar até 1 milhão de anos. Pode demorar, mas ela chega e então estará pronta para irradiar calor através do sistema solar. 

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Escala da Terra ao lado da erupção (aquele pontinho preto são os campos magnéticos)

Mas voltando às explosões solares que é o que nos interessa. Você Já reparou que as labaredas acontecem quase sempre em um formato de arco?

Isso porque por um motivo que faz toda a diferença: elas estão intimamente ligadas aos campos magnéticos do sol. Para entendermos essa parte primeiro você tem que ter em mente que, diferentemente da Terra, o Sol tem diversos campos magnéticos atuando nele (eu disse que o sol se comportava de maneira diferente dos planetas). Não iremos aprofundar nesta questão, mas tal profusão de campos magnéticos pode ser explicada por sua composição plasmática de íons positivos e eletros negativos.

Os campos magnéticos são importantes para essa história toda, pois são eles que determinarão a força em que será expelido a energia que vindo lá do núcleo causando maiores ou menores arcos de explosão. Por exemplo: Repare em uma imagem da temperatura do sol e você verá uns pontinhos pretos. Os pontinhos pretos representam um ponto mais frio da sua superfície (cerca de, apenas, 3.500 Cº) que está apagado em contraste com seus vizinhos de mais temperatura e, por isso, mais brilhantes. E aquele ponto só é mais frio porque está sob ação de um forte campo magnético que segura o calor embaixo da cromosfera, não deixando ele ser expelido nem ter sua temperatura aumentada, assim como está acontecendo no seu entorno. 

Assim a energia vai acumulando embaixo do campo magnético até o momento em que fica mais forte do que o campo e explode. O resultado você já deve ter imaginado qual é: As erupções, tão belas quanto assustadoras. Ao se desvencilhar do campo que a está segurando irá gerar uma explosão de radiação que lançará raios-x, plasma magnetizado e raios gama universo afora. As labaredas subirão e descerão em uma velocidade média de 100 quilômetros por segundo alcançando alturas inimagináveis para nossa escala humana. Esta daqui, de 2014, por exemplo, alcançou uma altura de 7 vezes o planeta Terra. Já imaginou uma explosão deste tamanho? Naquela temperatura?

Escala da Terra ao lado da erupção
Escala da Terra ao lado da erupção (aquele pontinho preto são os campos magnéticos)

Sabendo que elas ocorrem com alta frequência e que tem muito a nos dizer, como se uma tempestade geomagnética está se aproximando, por exemplo (veremos mais sobre elas no decorrer do texto), os cientistas estão, neste momento, com diversos telescópios de observação apontados para o sol medindo e classificando as erupções de acordo com o seu brilho nos comprimentos de onda de raios-x.

Existem cinco categorias possíveis de classificação: A, B, C, M e X, sendo as erupções de classe X as maiores e mais perigosas. Para nossa sorte elas também são as mais raras. Quando a radiação expelida por ela nos acerta isso pode desencadear apagões de rádio em todo o mundo, tempestades de radiação com duração de dias na atmosfera superior, inutilização de sistemas de controle de aviões em pleno ar, etc.

Já as de classe M são de tamanho médio e, geralmente causam breves apagões nas ondas de rádio, basicamente nas regiões polares da Terra. As de classe C são as menores que podemos receber aqui na Terra, quase nem mesmo sendo notadas. Classes B e A nem podem nos alcançar.

E se a erupção ultrapassar a classificação "X normal" ela vira X1, depois X2 (10 vezes a força de X1), depois X3 (10 vezes a força de X2) e assim por diante.

Mas o perigo não são as erupções

Ok, agora que já vimos como e porque ocorrem as erupções solares tenho uma coisa a dizer: elas não são tão ruins quanto você está pensando. É bastante compreensível entender o porquê das pessoas pensarem que as erupções solares são as grandes vilãs do sistema solar, destruidoras de vidas e planetas, afinal, o que pensar de uma coluna de fogo que tem MILHARES DE QUILÔMETROS de altura??

Pois é. Embora seja uma confusão bastante comum, temos que desmistificar uma coisa: o verdadeiro vilão dessa história toda são as ejeções de massa coronal (ou CME, Coronal Mass Ejection, em inglês).

Enquanto as erupções por si só causam danos relativamente pequenos à Terra, quando elas são fortes o suficiente para desencadear uma EMC, daí a coisa fica perigosa. Uma ejeção é o resultado de uma erupção que é enviada ao universo no formato de uma enorme bolha de radiação e partículas após a repentina reorganização de um campo magnético do sol. Ela pode durar horas dependendo da quantidade de energia que havia acumulada ali e até 10 bilhões de toneladas de gás ionizado podem ser expelidas por vez.

Repassando para que fique claro: Toda erupção gera sim uma ejeção, porém, nem todas ejeções são suficientemente fortes para nos causar danos ou serem notadas. 

Simulação de uma EMC atingindo a Terra em cheio. Note que por isso que acontece a Aurora Boreal
Simulação de uma EMC atingindo a Terra em cheio. Note as cores geradas no nosso entorno. É assim que se forma uma Aurora Boreal

Após lançadas as EMCs irão percorrer o espaço em linha reta na direção em que foram expelidas pelo sol. Daí é só torcer pra Terra não estar no caminho. Do contrário, quando a bolha de energia chegar até nós (ela pode levar até 3 dias neste processo) poderá desencadear um fenômeno conhecido como tempestade geomagnética dependendo da sua intensidade. E isso sim é perigoso.

Enquanto que as erupções mais simplesinhas podem afetar diretamente a ionosfera e as comunicações de rádio na Terra uma tempestade de grande porte pode interferir em uma série de tecnologias indispensáveis ao nosso dia a dia, além de também afetar a comunicação via rádio. Por exemplo: aloprar os GPS, interferir em comunicações e a pior de todas: acabar com nosso sistema elétrico. Funciona assim (de uma maneira mais simples): ao chegar aqui uma tempestade irá liberar plasma na nossa magnetosfera. Isso irá gerar campos eletromagnéticos que irá induzir correntes elétricas em direção ao nosso planeta. Elas irão descarregar nas linhas de transmissão e então sobrecarregar o sistema muito além do que elas estão capacitadas a suportar. A reação imediata seria um apagão generalizado que poderia durar dias ou meses para que tudo voltasse a funcionar corretamente.

Não ficou com medinho de ficar uns dias sem luz? Então adicione a isso o caso das cidades inteligentes que já controlam todo o seu abastecimento de água por eletricidade, cidades com invernos rigorosos onde o aquecimento é através da eletricidade, produtos perecíveis que precisam de eletricidade para não estragarem, etc. e está instaurado o caos. 

Para a nossa sorte não temos um evento desses em nossa história recente. Quase tivemos, na verdade. Segundo a NASA escapamos por pouco de uma tempestade fortíssima em 2012, porém, não estamos livres.

Embora não seja possível prever uma nova erupção com antecedência e com certeza, algumas previsões podem ser feitas e, de acordo com elas, temos 12% de chances de ser acertados por uma tempestade de mesma magnitude entre 2012 e 2022, um valor incrivelmente acima do que gostaríamos frente os perigos de um evento deste tamanho.

E se você está se perguntando se devemos ficar com medo, olhe o que aconteceu da última vez que uma ejeção de massa coronal de grande porte nos pegou de jeito. Spoiler: Segundo Daniel Baker, da Universidade do Colorado, "Se a tempestade de 2012 tivesse nos acertado, nós ainda estaríamos juntando os pedaços".

Tempestade solar de 1859

Conhecida como Evento Carrington, por conta de um dos cientistas que descobriram as atividades solares, Richard Carrington, estima-se que ela tenha causado danos equivalentes ao valor de 2.6 trilhões de dólares!

A nuvem de energia atingiu a Terra em 1º de setembro daquele ano após uma viagem de quase 18 horas, tempo bastante inferior ao comum. Imagina-se que essa velocidade só foi possível porque semanas antes uma EMC menor já havia sido liberada pelo sol e "aberto caminho" para a Tempestade de Carrington.

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Como uma EMC interage com a Terra

Assim, durante os dias 1 e 2 de setembro de 1859 auroras boreais resultantes do contato da energia com os polos magnéticos da Terra puderam ser vistas no Caribe, tamanha a força do evento (elas geralmente são vistas apenas nos polos). Relatos da época dão conta de que muitas pessoas acordaram e iniciaram seu dia no meio daquela madrugada, pensando que as luzes da Aurora se tratavam do raiar do sol.

Logo os sistemas de telégrafo em toda a Europa e América do Norte começaram a entrar em pane e, em alguns casos, telegrafistas receberam choques elétricos, enquanto que alguns postes telegráficos começaram a faiscar. Após desligarem os sistemas elétricos para evitar um estrago ainda maior, os sistemas telegráficos continuaram enviando e recebendo mensagens, tamanha a eletricidade recebida pela tempestade.

No sábado, dia 3 setembro de 1859, o jornal Baltimore American and Commercial Advertise relatou: "Aqueles que estavam fora na noite de quinta-feira e tiveram a oportunidade de testemunhar uma outra magnífica exibição das luzes de aurora. O fenômeno foi muito semelhante ao de domingo noite, embora, por vezes, a luz fosse, se possível, ainda mais brilhante e os prismáticos tons mais variados e lindos. A luz cobria todo o firmamento, aparentemente como uma nuvem luminosa, através da qual as estrelas da magnitude maior indistintamente brilhavam. A luz era maior do que a da Lua no seu auge, mas tinha uma suavidade indescritível e uma delicadeza que parecia envolvê-la naquilo que ele tocava. Entre meia-noite e uma da manhã, quando as auroras estavam em seu brilho total, as ruas tranquilas da cidade sob esta luz estranha apresentavam uma aparência bonita, além de singular."

Segundo estudos em camadas de gelo de milhares de anos foi possível descobrir que uma tempestade desse tamanho só acontece a, mais ou menos, 500 anos. Mas não dá para se apegar a esses números não. Aquela tempestade que quase nos pegou em 2012 tinha a mesma potência. Agora imagine: Se um dano de quase 3 trilhões de dólares aconteceu naquela época em que o máximo de tecnologia disponível eram os telégrafos, qual seria o impacto sobre nosso mundo hoje? 

Será que eles viram mais ou menos isso em 1859?
Será que eles viram mais ou menos isso em 1859?

Como se sabe quando poderá ocorrer novamente?

E como dito antes: Essa tempestade que nos errou por pouco (cerca de 2 semanas de diferença) pode voltar a ocorrer em breve. E se ela vai nos pegar, daí não se sabe. Mas antes que alguém apareça nos comentários dizendo que a Terra é plana e que não tem como saber quando elas irão ocorrer, eu me adianto e explico:

Segundo os cientistas tudo está ligado ao ciclo solar e às tais manchas solares, que vimos no início do texto e que podem chegar a ser maiores do que o planeta Júpiter.

Através de observações sabe-se que cada ciclo solar dura cerca de 11 anos e que, durante esse tempo, o astro passará por aumentos e diminuições de sua atividade gerando erupções e EMCs. Atualmente estamos no ciclo 24 (2008 ~ 2019) desde que a coisa toda começou a ser mensurada, em 1755.

Logo descobriu-se que a incidência de manchas (que pode chegar a centenas em um mesmo dia) têm relação com as erupções e com as ejeções. Por conta disso o próximo passo é calcular o número aproximado de manchas solares avistadas durante o período de 11 anos para identificar o ápice de atividade solar do período.  

Segundo os cientistas uma grande ejeção de massa coronal tem predisposição a ocorrer, em média, 2 anos após o pico de atividade solar do ciclo atual. Nosso ciclo atual teve seu pico em 2015, ou seja, os indícios apontam para 2017.

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Gráfico elaborado pela NASA com os últimos 3 ciclos soalres e suas manchas solares

Será que nos escapamos mais uma vez ou será que a EMC atrasou-se um pouquinho propositalmente pra garantir que dessa vez a Terra não escapa? Comente o que você acha disso tudo logo abaixo.

Para saber mais: NASA, NASA também