Há um tempo escrevi alguns artigos sobre cientistas que mudaram o rumo das coisas como este do Isaac Newton e este de Nikola Tesla que deu uma grande repercussão.

Nos comentários recebi bastantes solicitações e sugestões para que fazesse algo sobre cientistas brasileiros que também tinham sido marcantes no campo da ciência e das invenções. Gostei da ideia e acabei amadurecendo a mesma quando escrevi o post sobre o porquê de nunca termos recebido um Nobel. Na ocasião vi que temos muitos nomes que deveriam ser orgulho nacional e que, infelizmente, acabamos pagamos muito pau pro pessoal de fora e nem nos damos conta do que temos em casa.

Pensei bastante em quem deveria ser o escolhido para ilustrar o primeiro dos posts dedicados aos grandes cientistas brasileiros e após uma lista de notáveis (que irão virar post em breve) não podia escolher outro que não Santos Dumont. Os motivos para a seleção são óbvios: ele é o mais famoso inventor do nosso país; além do avião foi pioneiro em outras questões; e muito da sua vida é romantizada, para não dizer, fruto da inverdade (você sabia, por exemplo, que ele não morreu de um ataque cardíaco, mas sim cometeu suicídio?). Vamos passar essa história a limpo.

Além disso tudo há ainda uma questão pessoal que me incomoda desde o há tempos. Em 2016 tivemos as olimpíadas do Rio e eu, na ocasião, morava no EUA. No dia da abertura comprei um lindo pote de sorvete, me arrumei no sofá e fui ver a - bela - cerimônia de abertura dos jogos olímpicos. Se você assistiu também vai se lembrar que teve uma parte onde foi encenado o 14-Bis e Santos Dumont voando pelo Maracanã. Pois bem, nesse momento o pessoal da transmissão americana dá uma risadinha e solta algo do tipo: "Esse é Santos Dumont, aquele cara que os brasileiros pensam que inventou o avião kkk".

O famoso 14-Bis em seu modelo mais avançado, com as treliças internas entre os cubos
O famoso 14-Bis em seu modelo mais avançado, com as treliças internas entre os cubos

Pois bem, debochados e prepotentes apresentadores de tv americanos que eu sei que nunca vão ler este texto: explicar-lhes-ei porque, sim, o avião é uma invenção BR ou vai dizer que você considerara o carrinho de rolimã o primeiro carro do mundo ao invés do carro inventado por Ford? Sim, você vai ver como a minha analogia faz todo o sentido. Vamos lá:

Vida no Brasil

Como é de conhecimento geral, o voo do 14-Bis aconteceu eu Paris. Mas o caminho que levou ele a circundar a Torre Eiffel com um de seus dirigíveis e não o Pão de Açúcar tem uma explicação.

Assim como boa parte dos inventores de antigamente, Santos Dumont não era nem um pouco de origem humilde. Seu pai era um engenheiro formado pela Escola Central de Artes e Manufaturas de Paris e desde pequeno ele teve a tranquilidade de ser uma criança que podia se dedicar ao que bem entendesse - invenções e curiosidades no seu caso.

Embora meio banal nos dias de hoje, Alberto Santos Dumont nasceu em 1873, há mais de 150 anos, quando a escravidão (embora proibida há décadas) rolava solta e crianças de 3 anos trabalhando nas lavouras de café não eram incomuns (a Lei do Ventre Livre é de 1871 e, como sabemos, não foi implantada da noite para o dia).

Lavouras de café que, aliás, foram fundamentais para a vida de Santos Dumont, já que a Fazenda Dumont seria o maior estabelecimento agrícola do Império do Brasil. Com a empresa de beneficiamento de café "Dumont Coffee Company" e condições financeiras suficientes para uma excelente educação, logo ele estaria em Paris, onde começaria a se interessar pela mecânica das coisas.

Fundamental para que ele tomasse o rumo das invenções e questionamentos foram as suas leituras quando criança, principalmente aquelas de Júlio Verne que tratavam de coisas misteriosas à época: balões e submarinos, por exemplo.

Santos Dumont quando foi morar em Paris, em 1898
Santos Dumont quando foi morar em Paris, em 1898

Assim seus primeiros experimentos, enquanto ainda criança, foram com os balões de ar quente que ele fazia aos montes para colcoar no dia de São João colocar sobre as fogueiras e vê-los subindo.

Cresceu na fazenda e aos 18 anos fez sus primeira viagem ao país junto de sua família. Lá apaixonou-se pelo progresso dos franceses com as máquinas voadoras. Havia sido no país que inventara-se o balão a hidrogênio e onde as pesquisas em novas formas de voar eram incentivadas. Ele diria posteriormente que foi nessa viagem que teve o primeiro contato com a altitude, quando aproveitou para escalar os mais de 5 mil metros do famoso Mont Blanc, a maior montanha da Europa.

A França era o caldeirão cultural do mundo na época e ele iria voltar ao país outras vezes nos anos seguintes. Em 1982, por exemplo, ele começaria a correr de carro no recém-criado automobilismo francês. E assim, entre essas idas e vindas, ele foi tornado-se um homem bastante culto, fato pelo qual seria conhecido também.

Antes do fim da década seu pai morre e ele herda uma grande fortuna. Livre e com dinheiro ele parte em viagens onde para ver o que estava acontecendo no mundo. Vai aos Estados Unidos e, novamente, à França, em 1897. Lé ele ficaria por quase 20 anos antes de voltar ao Brasil.

Europa e primeiras invenções

Logo começa a estudar a pilotagem de balões e passa a inventar suas próprias máquinas de voo. Segundo consta, em menos de 3 anos ele já tinha criado 9 deles, sendo o balão Brazil o mais famoso por quebrar o recorde de menor aeronave funcional até então construída.

Ao mesmo tempo em que desenvolvia os estudos com os balões ele tentava criar uma máquina que fosse capaz de ser guiada com mais precisão durante o voo. Assim voltou sua atenção, simultaneamente, aos dirigíveis. Ao longo da carreira construiu mais de uma dezena deles:

Santos Dumont pilotando o N-1
Santos Dumont pilotando o N-1

N-1: Logo em seu primeiro modelo ele já causou uma espécie de quebra de paradimas ao equipar um pequeno motor para locomoção. Ninguém tinha feito isso até então. O motor, no entanto, esquentava demais e foi abandoando nas versões seguintes.

A unidade acabou tendo um problema quando estava à cerca de 400 metros de altura - a bomba responsável por assoprar o ar para dentro do balão e mantê-lo firme no ar deu problema - e o dirigível começou a esvaziar e a dobrar-se, despencado em queda livre. Mesmo caindo a uma velocidade de 5 metros por segundo, Santos Dumont conseguiu manobrar e evitar uma morte certa

N-2: No ano seguinte (1899) aumentou o tamanho da aeronave, fez alguns ajustes para não ter mais o mesmo problema de antes, porém não contava com a chuva que o tornou pesado demais. O N2 voou amarrado a uma corda, mas mesmo assim os ventos o fizeram terminar o voo todo embolado sobre as árvores.

N-3: Ainda maior que os anteriores, este foi a primeira máquina de Santos Dumont a obter êxito. Com ela o brasileiro contornou a Torre Eiffel pela primeira vez e pousou em segurança no mesmo local onde o N1 havia caído no ano anterior. O sucesso da empreitada fez com que ele construísse sua própria oficina de aeronaves. Detalhe: Essa oficina onde ele guardava o N-3 e os modelos posteriores foi o 1º hangar que se tem notícia. Segundo o próprio inventor:

A partir desse dia, não guardei mais a menor dúvida a respeito do sucesso da minha invenção. Reconheci que, para toda a vida, dedicar-me-ia à construção de aeronaves.

N-3 em ação
N-3 em ação

Contornar a Torre Eiffel e pousar em segurança com um dirigível foi um grande feito para a época. Tanto que um entusiasta francês das máquinas voadoras, o milionário Henri Deutsch de la Meurthe (conhecido modestamente como o "Rei do Petróleo da Europa"), ficou maravilhado com o episódio.

Para fomentar mais pesquisas e avanços na área ele decidiu criar uma competição que entregaria 100 mil francos (cerca de 600 mil dólares em valores atuais) para quem conseguisse sair de Sait-Cloud, dar a volta na Torre Eiffel, e voltar ao local de partida em menos de 30 minutos. Como a distância de ida e volta era de 11 km, a velocidade média a ser atingida era de, no mínimo, 22km/h, o que, até então, nenhuma máquina conseguia alcançar.

Ciente de que poderia criar um dirigível capaz de imprimir tamanha velocidade e realizar novamente o trajeto no tempo proposto, Santos Dumont volta aos estudos e passa a desenvolver a máquina que usaria para competir no prêmio Deutsch.

N-4: Precisando de maior velocidade ele viu que teria de retomar a ideia do motor e assim o fez: Inseriu um motor de 7 cavalos-vapor à petróleo que movimentava a hélice dianteira que tinha 2 pás de seda de 4 metros. Embora tenha conseguido feitos impressionantes como projetar-se contra o vento e marcar o primeiro voo de sucesso em um dirigível com motor, essa não era a máquina pronta para a competição. Assim ele construiu a próxima.

N-5: Agora sim ele estava pronto para competir. Tinha uma maior aeronave e um maior motor: agora eram 16 cavalos-vapor. Com ela Santos Dumont conseguiu, em 13 de julho de 1901, cumprir o trajeto do desafio Deutsch, porém, levou 10 minutos além do limite permitido. Em uma segunda tentativa o dirigível chocou-se com um prédio, explodiu e ficou impossibilitado de ser utilizado novamente.

N-6: Santos Dumont era um cara que não desistia nunca: Nova aeronave e uma nova tentativa no dia 19 de outubro de 1901 com um veículo ainda maior e de maior potência (agora já eram 20 cavalos-vapor). Nessa ocasião tudo saíra conforme o planejado e conforme as regras da competição. Assim ele levou o modesto prêmio - corrijido - de 129 mil francos (cerca de 700 mil dólares em valores atuais). Segundo a lenda, ele dividiu boa parte do prêmio com sua equipe e com os desempregados de Paris.

ATENÇÃO: Essa foto, embora confundida com o feito do N-6, é do voo que extrapolou o tempo do N-5 e serve para ilustrar. O voo vencedor, ao que se sabe, não foi registrado em foto
ATENÇÃO: Essa foto, embora confundida com o feito do N-6, é do voo que extrapolou o tempo do N-5 e serve para ilustrar. O voo vencedor, ao que se sabe, não foi registrado em foto

Com a vitória, além do prêmio, Santos Dumont ficou mundialmente conhecido como o maior "aeronauta" de até então. Diversos países o enviaram felicitações e publicações do mundo todo publicavam fotos e fatos sobre o ocorrido em Paris. O Brasil, na pessoa do então presidente Campos Salles, por exemplo, enviou-lhe uma soma em dinheiro no mesmo valor do prêmio Deutsch além de uma medalha de ouro com sua representação e a frase "Por céus nunca dantes navegados" em alusão à famosa frase de Camões.

As homenagens incluíram ainda diversas outras medalhas e até convites de demonstração e uma excursão do piloto mais famoso do mundo. A pedido do presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, por exemplo, ele foi ao país, conheceu-o na Casa Branca e ainda visitou os laboratórios de Thomas Edison, em Nova Iorque. Já o Príncipe de Mônaco, outro entusiasta da aviação, ofereceu-lhe um hangar e o que mais ele quisesse para que as experiências com aeronaves tivessem continuidade no principado.

N-7: Após passar o - longo - período de homenagens ele voltou à construção dos dirigíveis. Com fama e atenção voltada à tudo que fazia, deu-se a liberdade de tentar coisas novas. Assim, o N-7 fora um dirigível de corridas com o dobro do tamanho do célebre N-6 exibido publicamente em maio de 1904. Sua apresentação seguinte seria na Feira Mundial em Saint Louis, nos EUA, que não chegou a ocorrer, pois um sabotador inutilizou a aeronave com 48 facadas. Lembre-se disso, pois falaremos mais à frente sobre o episódio. O autor das facadas nunca foi identificado.

N-8: Uma cópia fiel do N-6 encomendada por um americano.

N-9: Um dirigível pequeno, de passeio, que se tornou famoso por ser a primeira aeronave pilotada por uma mulher: a americana Aída de Acosta Root Breckinridge em junho de 1903. Segundo os relatos da época, Santos Dumont ia de bicicleta gritando os comandos à mesma, que ia pilotando o dirigível. Essa unidade também foi comprada pelo mesmo americano que comprara o N-8.

N-10: O maior de todos os seus dirigíveis, ficou conhecido como o dirigível ônibus por ser pensado para o transporte coletivo.

N-11: Uma cópia do ônibus que vimos acima, porém em tamanho reduzido comprada por um desconhecido.

N-12: Outra encomenda do mesmo americano, e que era uma réplica do M-9.

N-13: Uma versão de luxo de seus dirigíveis que, segundo a teoria, poderia ficar no ar por semanas sem ter de descer. Não chegou a ser testado, pois foi destruído por uma tempestade em dezembro de 1904.

E quando parecia que ele já tinha dominado o mercado dos dirigíveis (se é que existia um mercado dos dirigíveis em 1904), 3 competições surgiram para mudar o mundo para sempre: Prêmio Archdeacon, Prêmio do Aeroclube da França e Prêmio Deutsch-Archdeadon.

Uma das diversas medalhas criadas em sua homenagem
Uma das diversas medalhas criadas em sua homenagem

Mas antes um pequeno adendo: Existe uma lenda de que Santos Dumont seria o inventor do relógio de pulso, já que ele ficava com as mãos sempre ocupadas no controle da aeronave. Porém, o objeto já javia sido criado há exatos 90 anos quando ele teve a ideia de pedir para seu amigo Louis Cartier (da marca de relógios Cartier) desenvolver um modelo masculino.

A era da aviação

Brevê de piloto de balão emitdo em 1904 pelo Aeroclube da França
Brevê de piloto de balão emitdo em 1904 pelo Aeroclube da França

A França era o local para se estar no início do século XX caso você fosse um amante da ideia de que o homem pudesse voar. A fama das invenções passadas (como a criação do balão em 1783 pelos irmãos Joseph-Ralf e Jacques-Ètienne Montgolfier) levou à criação dos primeiros órgãos oficiais de aeronautas, como o Aéro-Club de France, em 1898, a 1ª associação de aeronautas do mundo.

Além disso o país tinha muitos novos milionários por conta da revolução industrial e eles estavam com vontade de abrir a carteira para incentivar aqueles que tivessem boas ideias. Vários prêmios seriam criados e financiados por estes homens e, além do Prêmio Deutsch ganho por Santos Dumont, 3 outros deles foram fundamentais para que os aviões se desenvolvessem rapidamente:

Prêmio Archdeacon: Considerado o 1º prêmio de aviação do mundo, foi anunciado em setembro de 1904 pelo advogado Ernest Archdeacon e oferecia uma taça no valor mínimo de 2 mil francos que seriam entregues para quem voasse 25 metros em voo controlado com um aeroplano. Para ser merecedor do prêmio o vencedor teria que manter o recorde por um período de 2 anos.

Prêmio Deutsch-Archdeadon: Lançado em outubro de 1904 pelos mesmos Henri Deutsch e Ernest Archdeacon o prêmio pagaria 50 mil francos ao primeiro aviador que fizesse um voo circular de 1 quilômetro em veículo tripulado mais pesado do que o ar. Para esta competição estava proibido que o veículo se valesse de algo como um balão que o ajudasse a se manter flutuando.

Prêmio do Aeroclube da França: Também de outubro de 1904, este evento pagaria 1500 francos àquele que voasse 100 metros num veículo tripulado mais pesado do que o ar.

Tais competições foram o que fez Santos Dumont abandonar o desenvolvimento em dirigíveis e partir para a pesquisa de objetos mais pesados do que o ar.

A primeira investida de Santos Dumont foi um planador, baseado na invenção do inglês George Cayley, feita há 100 anos atrás. A pesquisa com este tipo de aeronave, no entanto, não foi muito longe, já que ele presenciara seus concorrentes levantando voo com protótipos de helicópteros e percebera que o planador não seria páreo. Assim, seguindo com a maré ele partiu para a criação de seu próprio helicóptero.

A construção do invento teve vida curta: começou em 3 de janeiro de 1906 e foi descontinuada em 1 de junho daquele mesmo ano, segundo ele, por causa de um mau desempenho das correias de transmissão. Infelizmente não há registros do que ele chegou a desenvolver.

A solução encontrada por ele então foi trabalhar em uma máquina híbrida: um avião capaz de planar acoplado a um balão de hidrogênio que o faria levantar voo com maior facilidade. Assim estava criado o 14-Bis (nome que vem do francês "14 de novo" fazendo menção à série de dirigíveis que parou no 13ª modelo).

Este primeiro modelo consistia em uma versão bastante diferente daquela que conhecemos por conta do balão.

O primeiro modelo do 14-Bis
O primeiro modelo do 14-Bis

Embora tenha conseguido percorrer algumas distâncias, Santos Dumont não gostou do que havia visto. Embora o balão favorecesse a decolagem, dificultava o voo por conta do arrasto gerado pela enorme bolsa de ar. Assim ele resolveu remover o balão do invento.

Há de se dizer que a modelagem do 14-bis - ou a Ave de Rapina (Oiseau de Proie), como foi chamado pela imprensa local - não era uma ideia original de Santos Dumont. A aeronave era baseada na ideia do australiano Lawrence Hargrave que, em 1893, desenvolvera este tipo de aeronave formada por "quadrados" para conseguir mais sustentação e rigidez.

A aeronave do brasileiro, porém, era mais sofisticada. Tinha 4 metros de altura, 10 de comprimento e 12 de envergadura. Seu peso era de 205 quilos (sem piloto) e o motor tinha 50 cavalos de força. Santos Dumont, ou quem quer fosse pilotá-lo, teria de ir em pé na cesta, um traço que vinha da sua época de dirigíveis, claramente.

Após diversas melhorias no modelo decorrentes de uma tentativa frustrada de obtenção do prêmio Archdeadon Santos Dumont marcou uma nova exibição para tentar angariar a taça e marcar mais um capítulo da história da aviação.

A data escolhida foi 23 de outubro (hoje dia do aviador e da aviação no Brasil, por motivos óbvios) e o local o Campo de Bagatelle. Lá uma multidão presenciaria a primeira aeronave mais pesada do que o ar a levantar voo exclusivamente por meios próprios e voar sem o aproveitamento de ventos contrários, utilização de rampas, catapultas, declives, barrancos, penhascos, ou o que mais você conseguir imaginar.

Jornal francês registra o evento que presenciou o voo de mais de 200 metros feito em novembro de 1906
Jornal francês registra o evento que presenciou o voo de mais de 200 metros feito em novembro de 1906

Em 6 segundos o 14-Bis (ou Oiseau de Proie II) percorreu 60 metros de distância a uma altura média de 2 metros, perfazendo feitos inéditos. Um pequeno detalhe: estes dados são uma estimativa aproximaa, já que os juízes do Aeroclube da França ficaram tão chocados com o que estavam vendo que se esqueceram de cronometrar e fazer as devidas medições. Assim o inventor fazia história novamente e ganhava o Prêmio Archdeadon

Satisfeito, mas percebendo que o voo não havia sido o melhor possível, ele começou a fazer modificações no invento para que pudesse concorrer nos demais prêmios. Fez modificações nas asas e, em 12 de novembro de 1906, mais de mil pessoas se reuniram no mesmo Campo de Bagatelle para ver 6 voos da aeronave (com direito a um conserto no trem de pouso no horário do almoço).

No último dos voos veio a glória: a marca de 220 metros, quebrando seu próprio recorde e ganhando também o Prêmio do Aeroclube da França.

Nesse mesmo dia ele ainda registrou outros 3 recordes:

  • Maior altura de um voo: 6 metros
  • Maior velocidade em um voo: 41,292 km/h
  • Maior tempo de voo: 21 segundos

Ahh, esse também foi o 1º voo registrado em vídeo, pela companhia cinematográfica Pathe.

Ele não venceria o 3º e último prêmio que ficaria com o francês Henri Farman, mas isso já não importava. Seu nome já estava escrito na história da aviação.

Nos anos seguintes ele criaria ainda o N-15 (com placas de madeira), o N-16 (híbrido de dirigível e avião), N-17, e até o não-convencional N-18, uma espécie de lancha de corrida desenvolvida após uma aposta de 50 mil francos contra 5 mil feita com um magnata francês. O homem desafiou Santos Dumont a atingir 100 km/h sobre a água e o brasileiro, vendo que não conseguiria avançar a tal ponto no seu avião (a aposta tinha prazo) decidiu criar o veículo aquático.

Note que a ideia não era competir com a lancha, mas sim fornecer os dados necessários para que Santos Dumont estabilizasse as condições e melhorasse o voo de suas aeronaves (o invento pode ser visto em ação neste vídeo). Ele pode até ter perdido a aposta, mas isso permitiu a ele criar os Demoiselles, uma série nova de aviões menores e melhores.

Com os Demoiselles ele havia criado as aeronaves mais baratas da época e poderia dar um novo passo nas suas ideias. Santos Dumont acreditava que estes aviões mais acessíveis tinham o poder de popularizar a aviação, assim, seu projeto era público para quem quisesse construir sua própria unidade.

Santos Dumont construiu 9 deles (modelos que foram do N-19 ao N-22) e o primeiro foi apresentado em 1907, pesando apenas 56 kg. Ficou conhecido como o primeiro ultraleve do mundo, alcançando a marca de pouco menos de 200 metros de voo nas apresentações de Dumont.

Posteriormente - em 8 de abril de 1909, a bordo do Demoiselle IV, modelo N-19 -, Santos Dumont faria seu primeiro voo de mais de 1 km de distância. Ele ainda bateria a marca de 18 Kms percorridos em 16 minutos em com o Demoiselle VI.

Santos Dumont transportando o Demoiselle
Santos Dumont transportando o Demoiselle

Aposentadoria e últimos anos

Alguns anos após alcançar a fama mundial e cumprir a missão de sua vida de popularizar os aviões, Santos Dumont começou a dar indícios do mal que o acompanharia para o resto da vida: a depressão. Frequentemente ele dizia que sua saúde já não era mais a mesma e que sentia-se menos apto a voar. Seu último voo terminou com uma queda de mais de 30 metros com um Mademoiselle na qual, milagrosamente, saiu apenas com um machucado na cabeça, porém o susto fez com que ele nunca mais pilotasse.

Com todo este cenário, aliado ao início de uma esclerose múltipla, ele decide que é o momento de fechar a sua oficina e se aposentar da aviação. O ano era 1910 e ele ainda não contava com 40 anos de idade.

No ano anterior o francês Louis Blériot havia atravessado o Canal da Mancha - que separa a França da Inglaterra - a bordo de um avião de criação própria. Ao vencer os 33 km de extensão do Estreito de Dover ele cunhou a seguinte frase: " A Inglaterra não é mais uma ilha."

Santos Dumont em 1922
Santos Dumont em 1922

Santos Dumont, que era amigo de Blériot, disse na ocasião: "Esta transformação da geografia é uma vitória da navegação aérea sobre a navegação marítima. Um dia, talvez, graças a você, o avião atravessará o Atlântico", o que ele respondeu: "Eu não fiz mais do que segui-lo e imitá-lo. Seu nome para os aviadores é uma bandeira. Você é o nosso líder."

Uma bonita homenagem quando a aviação ainda atravessava sua fase mais lúdica. Logo iria ser deflagrada a 1ª Guerra Mundial, onde as máquinas de Santos Dumont teriam um papel fundamental e que pouco agradou a ele.

Ver seu invento ser usado para a guerra o deixou extremamente abatido e deflagrou de vez a depressão. Ele criaria um prêmio de 10 mil francos para quem escrevesse a melhor obra a desencorajar o objetivo militar da aviação e tentaria, inclusive, apelar à Liga das Nações (grupo que negociou a paz após a 1ª Guerra) para que os aviões não fossem mais utilizados com esse fim.

Tentando ficar o mais longe possível do conflito ele retorna ao Brasil em 1915 onde passa a morar em Petrópolis na casa que projetou após ser desafiado a construir algo em um terreno tão inclinado e inóspito. O local, é claro, era cheio de invenções. Algumas delas eram inovadoras, como o 1º chuveiro de água quente do Brasil (à álcool) e, outras, peculiares, como a escada da rua onde somente se pode começar a subir com o pé direito e a escada interna onde se começa apenas com o pé esquerdo. Hoje ela é o Museu Casa de Santos Dumont e ainda conserva o estilo projetado por ele: Nada de paredes ou divisórias.

Santos Dumont – O maior inventor brasileiro

Enquanto no Brasil, contrastando com a tristeza causada pela guerra, em cartas escritas pelo próprio punho e endereçadas ao presidente do Brasil, em 1917, ele sugere que o país trate de correr contra o atraso da aeronáutica militar em nossas tropas, visto que em países da Europa, Estados Unidos e até América do Sul (Chile e Argentina) os aviões de combate já estavam difundidos.

Em meio a esta confusão de ideias ele decide, após alguns anos, retornar à Europa para continuar o tratamento. E então veja só o que acontece: Já melhor decide que era hora de uma nova visita ao Brasil, isso em 1928. Sabendo que o famoso inventor viria à cidade, o governo do Rio de Janeiro promove uma cerimônia de recepção onde um hidroavião, repleto de engenheiros e outras pessoas importantes para o desenvolvimento brasileiro à época, sobrevoaria seu navio. O problema foi que o avião sofre um acidente e ninguém sobrevive. Muito triste ele parte novamente a Paris.

Voltaria ao Brasil somente em 1931 já no fim da vida, ainda debilitado, para viver com seus parentes próximos. Para sua infelicidade estoura a Revolução Constitucionalista, quando São Paulo e aliados rebelam-se contra o governo golpista de Getúlio Vargas. Para desespero de Santos Dumont, no dia 23 de julho, aviões que estavam indo realizar um bombardeio sobrevoam o hotel onde se encontrava no Guarujá. Angustiado ele suicida-se com sua gravata.

Seu suicídio foi marcado por mistério e controvérsias. Primeiro por ter sido anunciado vítima de um ataque cardíaco fulminante à imprensa que tentava preservar a imagem do inventor e, segundo, por ter seu coração sido surrupiado pelo médico legista. O órgão foi mantido escondido e conservado em formol por 15 anos quando então o médico tentou devolvê-lo à família que o rejeitou; foi então doado ao governo brasileiro.

Santos Dumont e os irmãos Wright

Ok, você leu até aqui, mas ainda não falamos nada sobre a treta com os irmãos Wright que se dizem os verdadeiros criadores do avião.

O 1º e mais simples dos modelos criados por Otto
O 1º e mais simples dos modelos criados por Otto
Definir o inventor da aviação é difícil. Bastante difícil. Se formos levar em conta que o avião é algo mais pesado do que o ar que consegue permanecer no ar então o criador deve ser considerado o alemão Otto Lilienthal que era famoso por seus planadores inspirados nos pássaros. Ele realizou, pasmem, mais de 2 mil voos entre 1891 e 1896 quando morreu após uma queda de 15 metros de um voo.

Se formos considerar que avião precisa ter motor a combustão, então o mérito da criação vai para Santos Dumont que inovou em seu dirigível N-6 ao incluir um motor à gasolina. Como um balão não é mais pesado que o ar, para o Aeroclube da França isso não serve.

Segundo eles, o primeiro voo de avião seria realizado quando:

  • A aeronave fosse mais pesada do que o ar;
  • Não precisasse de auxílios como vento, ladeira, etc.
  • Pudesse colocar-se no ar apenas por meios próprios;
  • A façanha deveria ser acompanhada por uma comissão oficial de avaliadores;

Pois bem, as buscas seguiam na França com o incentivo de diversos prêmios, como estes que vimos acima, quando algumas cartas começaram a chegar do outro lado do Atlântico. Nela os irmãos Wilbur e Ornville Wright diziam estar fazendo voos cada vez mais longos com suas aeronaves alcançando a marca de 39 km de distância e mais de 40 km/h em um único voo.

O problema era que eles nunca enviavam fotos comprovando, as cartas eram sempre dos próprios irmãos e não havia testemunhas dos feitos, pois ninguém era autorizado a acompanhar os testes. Polidamente, insistentes convites eram enviados aos irmãos para que aceitassem mostrar seu feito na Europa, mas eles recusavam a todos. Assim sendo, o Aeroclube francês apenas ignorava os amadores.

Um dos modelos dos Wright Flyer's
Um dos modelos dos Wright Flyer's

Enquanto eles se recusavam a provar que estavam voando as competções francesas acabaram culminando no 1º voo registrado de avião na história, ou seja, no 1º a reunir todos os 4 critérios vistos há pouco. E qual foi esta aeronave mais pesada do que o ar capaz de decolar e permanecer em voo por meios próprios tendo sido testemunhado não só por avaliadores oficiais como por uma legião de curiosos? Isso mesmo, o 14-Bis, em 23 de outubro de 1906.

Na mesma época os irmãos americanos ainda mantinham segredo sobre sua aeronave. O motivo foi descoberto depois e confirmou as suspeitas da época: Sua invenção precisava do auxílio de uma engenhoca de cerca de 700 kg que aliado a um trilho impulsionava sua invenção aos céus. De acordo com as regras francesas, o avião dos americanos quebrava a condição de "colocar-se no ar apenas por meios próprios."

E o fato de não atender às regras francesas ou não ter como transportar toda a estrutura até a Europa não era o único medo deles: Em 1904 aconteceu a Feira Mundial de Saint Louis na qual era oferecido um prêmio para quem voasse (lembra do evento que Santos Dumont ia participar, mas teve sua invenção esfaqueada??). Estranhamente eles não se fizeram presentes, pois tinham medo que sua invenção pudesse ser copiada por quem os assistisse voar. Lembrando que o esfaqueador anônimo de dirigíveis nunca foi identificado.

Após tentativas falhas de vender sua invenção ao Ministério da Guerra dos Estados Unidos e ao governo francês, os irmãos Wright aceitaram fazer uma demonstração pública em Paris. A data foi 21 de setembro de 1908, quando os Demoiselles de Santos Dumont já eram percoriam os ares da França há mais de 1 ano.

É claro que os americanos têm sua própria versão da história onde explicam o porquê dos voos secretos, por exemplo, e negam o fato da catapulta. Sobretudo, não podemos esquecer que, até a década de 1920, o próprio governo e imprensa do país não reconhecia os irmãos Wright como inventores. Isso mesmo. Foi somente após uma campanha midiática intensa - e a gente sabe que eles são experts nisso - que a versão americana passou a ser considerada como a primeira de todas.

O vídeo abaixo é um dos materiais produzidos e distribuídos nessa época para popularizar a ideia. E quanto à catapulta que nunc existiu, me digam o que é aquele mecanismo de contrapeso e trilhos que impulsiona o avião ao 01:20 com um 1908 bem grande identificando o ano?? QUEM VENCEU AGORA HEIN???).

Vídeo incorporado do YouTube Um último detalhe: Réplicas do 14-Bis (e até do Demoiselle) são refeitas e voam perfeitamente desde os anos 80. Enquanto isso os americanos, através da Discovery of Flight Foundation, tentam há anos recriar o voo com o Wright Flyer, mas sem sucesso até o momento.

E aí. Depois de ler tudo isso você concorda que o avião é uma invenção BR? Quer contribuir com a discussão? Então é só deixar um comentário abaixo.

P.S. Para ver os modelos detalhados de (quase) todos as máquinas aéreas de Santos Dumont, clique aqui.