O cálculo é uma das invenções teóricas matemáticas mais importantes do nosso tempo. Somente por causa dele, que é utilizado para trabalhar desde as taxas de variação de diferentes grandezas, movimento ou crescimento, até casos onde há forças variáveis agindo e produzindo aceleração ou acumulação de quantidades é que podemos ter muitas das modernidades de hoje em dia.

O princípio do cálculo

O que nos importa por aqui é que o cálculo já rendeu muita briga, principalmente por causa de sua autoria, já que, 2 matemáticos de peso requisitam sua paternidade: Isaac Newton e Gottfried Leibniz. Cumpre ressaltar que, embora esses 2 tenham sido os que desenvolveram a teoria como conhecemos e utilizamos hoje, pesquisas e aplicações básicas de cálculo já haviam sido protagonizadas por Arquimedes, o maior matemático da Antiguidade, no século I a.c. E isso não é o mais impressionante: cerca de 200 anos antes, Eudoxo de Cnido, um renomado astrônomo e matemático grego, famoso por ter conseguido contabilizar o ano com incrível exatidão: 365 dias e 1/4 de duração, usou uma espécie de cálculo para descobrir o volume de um tronco de bases paralelas piramidal. E você aí, apanhando para uma regra de 3.

Demais avanços poderiam ser vistos na Idade Média por conta de estudiosos orientais. Lembre-se que à época o "cérebro" do mundo estava naquele lado do globo, já que o ocidente estava engessado devido à patrulha da Igreja Católica. Entre os nomes que contribuíram para o desenvolvimento do cálculo estão os indianos Aryabhata, Bhaskara II e Madhava de Sangamagrama e o persa Sharaf al-Din al-Tusi, por exemplo. E mesmo antes de levarmos a discussão para os personagens principais da história, faz-se necessário comentar rapidamente sobre demais contribuintes e contribuições, como o método de exaustão, que fora incrementado no Japão por Seki Kowa, ou ainda as inovações do escocês James Gregory e dos ingleses Isaac Barrow e John Wallis, por exemplo.

O próximo passo ficaria por conta dos próprios Newton e Leibniz que compilariam isso tudo, adicionaram seus apontamentos e inventaram o cálculo moderno.

A briga

Não se pode negar que, cronologicamente, a vitória deveria ser dada a Isaac Newton, que ainda nos anos iniciais da sua graduação em Cambridge, em um retiro em sua propriedade rural de quase 2 anos, sem o contato de ninguém, após realizar as mais inimagináveis experiências e refletir sobre as leis universais da física que regem nosso mundo, surgiu com o que podemos chamar de cálculo moderno. E se essa fosse o único fruto (fruto; maçã; Isaac Newton, entendeu?) do seu retiro para estudos já estaria bom, certo? Porém houve muito mais. De lá saíram também importantes considerações e descobertas sobre a teoria da gravitação universal, leis do movimento, ótica, física das marés, a mecânica dos fluídos, entre outras. E se você acha esses estudos irrelevantes, veja como a ótica resultou na invenção da fibra ótica

No entanto, o filho mais pródigo desse período foi o cálculo - chamado inicialmente de "método de fluxos e fluentes". Porém, o que chama a atenção é que Newton não quis publicar nada a respeito, ficando esse trabalho escondido por anos, circulando apenas cópias privadas enviadas a amigos da Royal Society, da qual foi membro e presidente. O incentivo derradeiro para a exposição do cálculo ao mundo só viria após Leibniz mexer seus pauzinhos.

Há algumas centenas de quilômetros dali, 1 década depois, em Paris, Leibniz dedica-se a criar o cálculo. Por anos ele trabalharia em seus estudos e resultando em um sistema matemático inédito no mundo (ao menos cronologicamente, já que tudo já tinha sido pensado por Newton anos antes). E o que fazemos quando descobrimos algo no qual trabalhamos muito e que pode mudar o mundo? Se você respondeu "Publicamos", acertou. Foi isto que ele fez, tornando públicas suas descobertas através de publicações em 1684 e 1686. Como resultado disso, Leibniz pode clamar para si o título de inventos do cálculo e, de brinde, ser considerado um dos maiores matemáticos vivos de seu tempo.

Ao ver o sucesso do outro cientista, Newton ficou arrependido de não ter publicado o que havia descoberto décadas antes e resolveu correr atrás do prejuízo, reivindicando para si o título de maior impulsionador da matemática desde os gregos. Pronto, estava feita a treta, a partir de agora partidários juntar-se-iam dos 2 lados, cada qual puxando para o seu ponto de vista. Estava lançada a Guerra do Cálculo.

Guerra do Cálculo

Lembra que falamos que algumas cópias do trabalho de Newton circularam entre amigos selecionados? Pois bem, acontece que uma destas cópias foi lida pelo próprio Leibniz (que também era membro da Royal Society), o que deu a Newton a possibilidade de chamar o seu trabalho de plágio de suas ideias. Para melhorar (para Newton), ele já gozava nessa época de uma reputação inatacável no meio acadêmico, e mais: poderia provar ter escrito antes aquilo tudo que Leibniz dizia ser seu. E foi isso que ele fez a partir de 1699, quando através de sua influência passou a contratar outros cientistas da época para defenderem seu lado e/ou atacarem o ladrão Leibniz. Afinal, quem deixaria escapar por entre os dedos um trabalho genial que lhe daria glória para o resto da eternidade?


Gottfried Wilhelm Leibniz

E se você acha que Leibniz recuaria ao primeiro ataque de Newton, enganou-se. Ele e alguns partidários da sua causa acusaram Newton do mesmo crime o qual estava sendo acusado: Roubar a ideia do outro. E como tinha menos "crédito" do que o polímata Newton, ele teve de se superar na ofensiva. Um método encontrado foi escrever de próprio punho dezenas de cartas explicando a situação e pedindo apoio à sua causa para diversos membros da comunidade cientifica europeia. Além disso ainda escreveria ataques anônimos a Newton, artigos, e faria a disputa chegar ao Rei da Inglaterra.

E essa foi a tônica da Guerra que durou por anos. Newton atacando Leibniz de um lado, este defendendo-se e contra-atacando de outro. Cada qual tentando cooptar mais correligionários para a sua causa; matérias e artigos difamatórios, acusações, provas e conjunturas, etc.

Quem venceu?

Essa é uma pergunta sem resposta, ao menos sem uma resposta pontual. Vejamos o que diria o advogado de cada um dos lados:

Vencedor Newton: inventou o cálculo quase 10 anos antes de Leibniz começar suas pesquisas. Maior cientista de todos os tempos no que diz respeito às revoluções causadas por suas descobertas; Sem seu estudo inicial - que Leibniz teve a oportunidade de ler - talvez este nunca tivesse feito suas pesquisas na área.

Vencedor Leibniz: Foi mais além do que o próprio Newton nas pesquisas referentes ao cálculo, sendo, inclusive, a mente por trás do sistema de representação gráfica utilizado até hoje (Newton também criou um, mas não emplacou como o de Leibniz). Alguns críticos dizem que Leibniz deve levar uma boa parte dos créditos somente por "traduzir" e tornar inteligível "a todos" o que se define com o estudo e a teoria do cálculo. Ahh, e é claro, ele foi o primeiro a publicar e tornar o cálculo um conhecimento público.

A dita guerra só terminou com a morte de Leibniz em 1716, e caso este tivesse vivido por mais tempo, provavelmente ela teria durado ainda mais. Aliás, Newton continuou defendendo seu ponto de vista, escrevendo artigos e tudo o mais, mesmo após a morte do rival.


Sir Isaac Newton

Hoje a maioria dos biógrafos tende a considerar a Guerra do Cálculo uma enorme besteira e perda de tempo, focando no que realmente importa: a contribuição científica dos dois, que só não foi maior por causa da vaidade humana. Além disso, admite-se hoje que ambos chegaram a seus resultados independentemente, sendo que Newton iniciou os estudos com a diferenciação e Leibniz com a integração. Além disso, a ciência é feita dia após dia, fato este comprovado pelos demais matemáticos que contribuíram em muito para os estudos do cálculo, como por exemplo, o francês Cauchy, os alemães Riemann e Weierstrass e a italiana Maria Gaetana Agnesi, a primeira a unir em apenas uma obra os estudos de Newton e Leibniz.

No final das contas os dois nunca se viram pessoalmente, tendo sido seu único contato, algumas cartas durante a juventude, e outras 2 ou 3 correspondências cheias de rancor trocadas durante a maturidade.

Agora, imagine se estes dois seres brilhantes tivessem trabalhados juntos? Nosso nível matemático estaria bem mais avançado e sabe-se lá o que poderíamos ter em mãos hoje.

Quem quiser saber mais sobre o assunto, o YouTube está cheio de documentários sobre a disputa ;)

Fontes: American Mathematical Society; A Guerra do Cálculo