A palavra hacker tornou-se bem conhecida e é difícil encontrar alguém que não conheça o significado do conceito ou que não saiba quem são as pessoas identificadas pelo termo. Mas, e biohacking, você já ouviu falar? Biohacking é a prática de misturar biologia com a ética hacker ou, em outras palavras, é a técnica de hackear o seu próprio organismo, com o objetivo de promover mudanças no seu corpo até que ele consiga fazer coisas que não fazia antes, até mesmo conseguir habilidades consideradas sobre-humanas.

Entre os objetivos estão: modificar o organismo para adquirir capacidades especiais, como enxergar no escuro, controlar aparelhos eletrônicos com as mãos, sentir campos eletromagnéticos ou ainda, ficar mais inteligente, produtivo ou focado. Há melhorias para o corpo e mente. Quando falamos sobre biohacking, é comum pensarmos primeiramente nas pessoas que realizam modificações no corpo, implantando chips ou componentes magnéticos. Contudo, também tem muita gente utilizando a técnica de hackear o organismo com outros objetivos, sem precisar realizar nenhum implante, como por exemplo ter mais energia.

Isto pode acontecer ao mudar a alimentação, ingerir suplementos especiais, entre outras atitudes que veremos ao longo deste artigo. Ou seja, a técnica de biohacking não se limita apenas a junção entre um corpo biológico e um componente eletrônico, mas também a elementos externos. Você não precisa se transformar em um ciborgue para ser um biohacker, mas se quiser, esta é uma escolha que só diz respeito a você.

Existem basicamente duas grandes vertentes para o biohacking:

1) Abordagem interativa: neste caso, visando melhorar o próprio corpo, as pessoas utilizam implantes que melhoram a sua capacidade, como por exemplo, injetar uma substância nos olhos para adquirir visão noturna. Estes biohackers são chamados de Grinders.

2)  Abordagem não interativa: neste caso, são utilizados elementos externos para melhorar a performance da pessoa, como a utilização de luz azul para dormir mais profundamente, fazer jejum intermitente com o objetivo de aumentar os níveis de energia, entre outros.

Muitos adeptos ao biohacking, identificam-se com o movimento biopunk, como o transhumanismo: crença de que é possível alterar fundamentalmente a condição humana através do uso de tecnologias e fazer um ser humano superior.

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Surgimento

O termo biohacker começou a aparecer por volta de 1998, ganhando força nos últimos anos, devido aos avanços tecnológicos. Mas, antes mesmo disto, William Gibson, em um dos seus mais famosos romances do gênero cyberpunk, Neromancer, já havia escrito sobre a técnica. O livro foi publicado pela primeira vez em 1984 e com um pensamento totalmente futurista e fora da realidade que Gibson vivia, ele já descreveu exemplos de ciborgues (Cyber + Organism = junção entre um corpo biológico e componentes eletrônicos, que conseguem conviver em perfeita harmonia). Entre eles está Molly. A jovem tinha um implante sobre os olhos, que funcionava como se fosse um Google, de onde ela obtinha as respostas que precisava. A própria cidade de Chiba, onde se desenvolve parte da trama, era considerada como local chave para a colocação de implantes neurais e realização de outras mudanças corporais. Um braço mecânico, garras que saíssem por baixo das unhas, o que quer que se desejasse alterar no corpo, em Chiba as pessoas conseguiam.

Mas este é apenas um exemplo, entre tantos outros que livros e filmes de ficção científica já nos trouxeram sobre biohackings, mesmo que ainda sem ser identificados como. Outros personagens bem conhecidos do cinema são Robocop, Inspetor Bugiganga, Megamen e Hydro de Mortal Kombat, todos são ciborgues. Parece algo bem surrealista pensar que pessoas assim possam estar entre nós né? Mas os ciborgues já deixaram as telonas e passaram a viver junto de nós há algum tempo. Claro que não exatamente da forma como lemos nos livros ou vemos nos filmes, mas conforme veremos a seguir, tem pessoas realizando experimentos bem malucos - ou não -  para garantir capacidades incomuns aos humanos.

Visão noturna

Em 2015, um grupo de biohackers em Los Angeles decidiu testar uma sustância para conseguir enxergar no escuro. Um dos pesquisadores, Gabriel Licina, serviu de cobaia para o experimento. Em seus olhos foi injetado 50 ml de Ce6, substância que pode ser encontrada em peixes que habitam as profundezas abissais. O líquido costuma ser utilizado como forma de tratar a cegueira e também a dificuldade que algumas pessoas apresentam em enxergar em locais com luminosidade reduzida.

O experimento começou a dar resultados cerca de uma hora após a aplicação da substância. Ao ser colocado em um campo escuro, Licina começou, inicialmente, a reconhecer formas e símbolos que estavam a 10 metros. Porém, com o passar do tempo, foi possível ver pessoas que estavam a 50 metros de distância, bem como algumas árvores. Enquanto estava sob efeito do Ce6, os olhos do pesquisador ficaram completamente negros, mas não foi registrado nenhum efeito colateral grave, sendo que a sua visão voltou ao normal no dia seguinte.

Ouvir cores

Neil Harbisson é um dos biohackers mais famosos. Ele nasceu com uma síndrome rara que não o permite distinguir as cores. Tudo o que ele olha, enxerga em preto e branco. Para resolver o problema, Harbisson recorreu ao biohacking. Com auxílio de médicos, ele desenvolveu e implantou um sistema que lhe permite ouvir as cores.

Acoplada a sua cabeça, a câmera produz um som para cada tipo de cor reconhecida pelo equipamento. Cada cor vibra em uma frequência. Com o tempo, o cérebro de Neil passou a associar todo som a uma cor. Ele chegou até a sonhar em cores, com o próprio cérebro criando os sons aos quais já estava acostumado.

Chips de comunicação por proximidade

Já pensou em poder destrancar a porta de casa sem o uso de chaves? Esta é apenas uma das possibilidades que podem ser realizadas com o implante de um chip de comunicação por proximidade em seu corpo, da Dangerous Things. Ele é do tamanho de um grão de arroz e você ainda pode utilizá-lo como bloqueador da ignição do seu veículo automotivo, por exemplo.

O kit para implantar o chip no corpo contém, além do chip, seringa, luvas, curativo e uma pequena dose de antisséptico. Ele pode ser aplicado em casa, mas caso o biohacker não se sinta seguro para fazer a aplicação pode levar o kit em um estúdio onde se coloca piercings. 

Audição amplificada

O biohacker Rich Lee criou uma maneira de aumentar a sensibilidade de sua audição, após descobrir que perderia a visão devido a um problema de saúde.  Ele instalou em seus ouvidos imãs internos, que servem como amplificadores, em conjunto com um colar adaptado que está plugado em um aparelho sonoro. A vibração enviada pelo cabo para este colar reverbera nos imãs dos ouvidos e faz com que Lee consiga ouvir música normalmente sem a necessidade de colocar os fones de ouvido na orelha.

Eu não aconselharia fazer isto em casa, pois os imãs colocados dentro do ouvido geram sérios riscos de infecção.

Chip Biométrico

Tim Cannon implantou em seu braço um chip que envia seus dados biométricos, como a temperatura corporal, para seu smartphone. O problema, ou não, é que o dispositivo implantado por baixo de sua pele não é um microchip, possuindo proporções bem avantajadas.

Mas Cannon não vê problemas nisso e já prevê melhorias para o dispositivo. Ele espera que no futuro seja possível por exemplo, o chip identificar que ele teve um dia estressante e enviar uma mensagem à sua casa, solicitando que ela prepare uma atmosfera mais relaxante e agradável para quando chegar no recinto, como escurecer as luzes e preparar um banho quente.

Você pode ser um biohacker, sem saber

Mas nem todas as modificações feitas no corpo precisam ser tão radicais. Há exemplos bem conhecidos de biohacking e que talvez você nem imagine que se encaixam na corrente. Como por exemplo, os chips anticoncepcionais. O contraceptivo é implantado sob a pele das nádegas ou do braço da paciente, contendo uma quantidade de hormônio. O pequeno aparelho é programado para liberar uma dose determinada deste hormônio na corrente sanguínea da paciente todos os meses. O método, além de prevenir a gravidez, também promete regular os efeitos da TPM, cortar a ocorrência de menstruação, evitar grandes variações de peso e até mesmo regular o humor feminino.

A prática de biohacking começou há muitos anos - sem esta definição -  com algo que até hoje nos é comum. O óculos de grau. No século I, alguns estudiosos cortaram pedras semipreciosas em lâminas finas e criaram os primeiros óculos de grau para perto. Este pode ser considerado um exemplo de biohacking não interativo, afinal, está se fazendo uso de uma técnica para corrigir ou melhorar algo no corpo humano (a visão), contudo não há intervenção no corpo.

Passados cerca de 1.400 anos desta forma, Leonardo da Vinci teve a ideia de aplicar as lentes corretivas diretamente na superfície do olho. As primeiras lentes de contato demoraram mais uns 300 anos para serem criadas, mas Leonardo Da Vinci, com esta ideia inicial, já era um biohacking, mesmo sem saber.

As lentes de contato são exemplos de biohacking que ficam entre o interativo e não interativo. Pois você não as implanta definitivamente, mas você as tira e coloca no corpo, quando quiser.

Claro que estes últimos exemplos se referem a técnicas que atualmente possuem uso comercial, são acompanhadas por profissionais e não se restringem ao DIY (Do It Yourself - faça você mesmo), forte característica do Biohacking. Mas, quando os óculos de grau e lentes de contato foram criados, eles não surgiram de nenhuma organização ou instituição, mas sim da vontade de pessoas que identificaram um problema no corpo humano e se dedicaram a tentar encontrar uma solução. 

Foco e energia para o dia a dia

Dave Asprey é outro exemplo conhecido de biohacker. Mas, diferente dos outros citados anteriormente, ele não possui nenhum chip implantado sob a pele ou aplicou alguma substância nos olhos. Alterando hábitos rotineiros, como passar a utilizar um óculos com lentes alaranjadas para dormir e ouvir sons binaurais, ele começou a ter mais foco e se sentir com mais energia. Mas não é apenas por estas duas atitudes que Asprey começou a se sentir com mais disposição.  Em uma viagem ao Tibete, em 2004, ele provou uma bebida local feita com chá e manteiga de iaque para combater os efeitos da altitude. Logo após prová-la, sentiu-se com uma energia nunca antes vista. Então, de volta aos Estados Unidos, passou a tentar replicar a bebida. Foi aí que surgiu o famoso Café a prova de balas (café com manteiga), muito usado por aqueles que querem atingir uma alta perfomance.

Asprey fez do biohacking sua profissão, vendendo livros, dando palestras e faturando em cima dos experimentos que faz com ele mesmo.

Riscos

Uma das características do biohacking é que ele costuma ser desenvolvido por indivíduos e pequenas empresas, ficando longe de instituições ou acompanhamento profissional. Desde seu início ele segue a corrente do DIY (Do It Yourself - faça você mesmo), pois a ideia é justamente esta de que no futuro todos possam realizar mudanças em seu corpo e organismos, sem a necessidade de serem cientistas. Porém, isto gera grandes riscos para a saúde do indivíduo, já que os experimentos muitas vezes acontecem nas próprias casas do biohackers, sem o acompanhamento de algum profissional ou cuidados específicos.

Por isso é necessário ter cautela. Os experimentos citados acima deram certo, mas sempre há o risco de ocorrer alguma infecção ou um problema ainda mais sério ao se mexer com o corpo. Mas, a ciência evolui muito e não me causará estranheza se no futuro a humanidade conseguir transformar o que quiser em qualquer organismo vivo. E você, o que acha disso?